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Três Lagoas

Presidente da Associação Médica de Três Lagoas é contra programa Mais médicos

Antônio João faz uma analise da saúde em Três Lagoas

Antônio João Campos de Carvalho -
Antônio João Campos de Carvalho -

Ele foi prefeito de Três Lagoas durante três anos, de 1986 a 1988. É psicanalista e urologista. Na entrevista especial da semana, o médico Antônio João Campos de Carvalho, presidente da Associação Médica de Três Lagoas faz uma analise da saúde. Ele, assim como a grande maioria dos médicos brasileiros é contra o programa Mais Médicos, lançado recentemente pelo governo Federal.


Jornal do Povo – Recentemente o governo Federal lançou o programa Mais Médicos visando à contratação de médicos para as cidades do interior. Como o senhor analisa esse programa?
Antônio João Campos de Carvalho – Somos contra. A classe médica como um todo é contra. Achamos que isso não é a solução. É um meio de agraciar o povo com algo que não resolve, me parece mais eleitoreiro do que solução imediata.

JP – Porquê  pensar assim?
Carvalho – Esse pessoal que está sendo contrato, não tem o ensino aprendizagem que temos aqui no Brasil. Quando eles vêm de Cuba, Bolívia, do Paraguai, tem uma grade totalmente diferente da nossa. Não estão preparados como nós preparamos os nossos médicos. Ao ponto de que o Revalida, que cria condições para que eles venham para o Brasil, apresentou uma aprovação extremante baixa. De 700 médicos que participaram passaram apenas 18. Quiseram fazer uma coisa sem consultar a população que está questionando para uma saúde de quantidade e qualidade, coisa que não vão conseguir.

JP– O que fazer então, qual seria a solução para essa falta de médicos que existem no Brasil?
Carvalho – Não existe falta de médicos no Brasil. Somos um país com uma grande quantidade de escolas de medicina, estamos entre as dez do mundo. Os Estados Unidos tem 250 milhões de habitantes e 56escolas de medicina.O Brasil tem 200 milhões de habitantes com 130 escolas de medicina. Então, onde está faltando médicos? Não temos falta de médicos e sim uma má distribuição. Isso ocorre devido à falta de estrutura em lugares onde deveria ter para o médico se fixar, além da falta de uma política salarial.

JP -Três Lagoas não aderiu ao Programa Mais médicos sob a alegação de que o município dispõe de clínicos gerais, já que a cidade precisa é de especialistas. O senhor concorda com esse posicionamento da Secretaria de Saúde?
Carvalho – Concordo, uma visão interessante. Entretanto, em Três Lagoas falta um pouco de política de saúde, e não de política eleitoreira e partidária. A questão precisa ser vista como macro, por isso, às vezes, as coisas não caminham como deveriam. Três Lagoas tem uma bela estrutura física para fazer saúde, mas, infelizmente falta essa política que disse, que envolve contratação de pessoal e melhores salários. A secretária está correta quando diz que temos clínico geral. O que falta mesmo são especialistas. Hoje, temos plantão no PAB com três médicos, para se ter uma ideia, começamos esse plantão com um profissional por período. Não é quantidade, o que precisa é reordenamento para que funcione. Quanto aos especialistas, se não houver uma política de saúde para melhorar a questão salarial eles não vem, porque ganham muito em outras cidades que tem estrutura e maior conforto. Existe uma série de critérios que o profissional elege para trabalhar em determinada cidade.

JP – Mas a secretária de saúde alega que Três Lagoa não tem oferecido um salário ruim, já que o base é de R$ 10 mil. Como analisa esse salário?
Carvalho – Não tenho dúvida. Se contratar um médico por um salário de R$ 10 mil é uma política muito ruim, já que o profissional tira 27,7% para o pagamento doImposto de Renda e 5% de ISS  que a Prefeitura cobra, que é muito alto. Somando, tira 32% antecipado, então profissional só recebe R$6.800.Veja, quanto vai ficar realmente para ele? Por isso os profissionais querem a garantia de trabalhar no hospital, no consultório médico, em outros lugares também. Todo mundo quer conforto. Todo mundo tem que vender o seu serviço, porque o médico tem que trabalhar de graça? A diferença é que médico sem estrutura física para trabalhar vai oferecer um serviço com uma qualidade que a população não merece.

JP – Mas o senhor disse que Três Lagoas está bem servida de estrutura física?
Carvalho – Mas precisa ser melhorada algumas coisas.Na área da imagem, por exemplo, não tem ressonância magnética, então é preciso crescer em algumas questões. Já temos uma UTI, pequena ou não, mas temos. O Hospital Regional da Unimed, também dispõe de uma pequena. Temos médicos atendendo em postos de saúde, temos rede de laboratório que atende bem. Então, temos uma estrutura razoável. Agora, a evolução de Três Lagoas tem atraído também pela qualidade de vida que o profissional vai ter aqui. Não adianta pegar um profissional de alta qualidade, por exemplo, como um cardiologista e querer que ele trabalhe em Agua Clara. A cidade não oferececonforto para ele e nem para afamília.Todo profissional busca qualidade de vida.  Outra questão, em alguns municípios, esse profissional vai querer fazer um raio X, um hemograma e não terá condições, ou seja, vai continuar encaminhado para outras cidades.

JP-O que está faltando então para que Três Lagoas possa conseguir contratar mais especialistas, já que tem mais estrutura e uma qualidade de vida melhor?
Carvalho – Quando você quer vender um produto e não consegue, ou está muito caro, ou muito barato. É possível que o salário que esteja oferecendo não seja o que eles querem ganhar. Não se pode obrigar o médico a trabalhar. Na democracia se atrai com propostas. 

JP– O senhor acredita que o Hospital Universitário que será implantado em Três Lagoas vai contribuir para melhorar a saúde no município?
Carvalho – Não. Com que estrutura eles virão aqui? Criar estrutura não é abrir escola de medicina. Onde vai funcionar essa escola? Cadê o hospital universitário? Em Dourados, por exemplo, quando os alunos chegaram ao sexto ano, não tinham onde fazer estágio. Mais de 80 vagas foram abertas para a classe médica, mas ninguém quis fazer o concurso, porque o salário é baixíssimo. Vão trazer doutores, com doutorado, mestre, de onde?. Teremos professores leigos atuando. O hospital universitário não vai resolver o problema da saúde de Três Lagoas, se fosse assim, Rio Preto e Campo Grande teriam uma ótima saúde. Pelo contrário, Três Lagoas vai se tornar referência, e um polo maior do que somos hoje, e seremos obrigados a receber os que vêm de fora. Imagine Três Lagoas tendo que atender toda essa região?

JP – O senhor acha trabalho na área da saúde em Três Lagoas está bom, ou deixa desejar?
Carvalho – Existem aspectos que são altamente positivos, mas outros que poderiam ser melhorados. Se estivesse tudo bom, a população não estaria gritando tanto. Primeiro é preciso fazer um serviço macro. Outro ponto é que a população precisa ter novas atitudes. Infelizmente, a população implode o sistema de saúde que poderia beneficiar ela mesma. Por exemplo, criou-se o PAB para atender as urgências e emergências. Entretanto, o usuário fica cinco dias em casa doente, não procura um posto de saúde, prefere ir para o PAB ficar cinco horas esperando para ser atendido do que agendar uma consulta e ser atendido em uma unidade de saúde com mais tranquilidade.

JP – A UPA, que está fechada até hoje, deverá mudar de classificação para poder ser aberta a comunidade, já que não conseguiu completar o quadro de médicos, o que acha dessa mudança?
Carvalho – O que não podemos é continuar com uma bela estrutura daquela fechada. É uma pena que não se avaliaram isso de uma forma antecipada, sabendo que não tínhamos profissionais.

JP – Mas a cidade comporta dos Pronto Atendimentos?
Carvalho – Sim, usuários temos muito. O problema é encontrar profissionais.

JP – O senhor acha que o trabalho da secretária de Saúde, Eliane Brilhante é bom, ou o senhor entende que a pasta deveria ser comandada por um profissional médico?
Carvalho – No Ministério da Saúde por muitos anos tivemos profissionais que nunca foram médicos, e todos tiveram a sua competência pessoal para tocar os serviços. Três Lagoas não foge essa regra. Será muito difícil achar um médico que se predisponha a ganhar o salário que um secretário ganha hoje em comparação ao que ele ganha tocando sua vida profissional. E por causa disso então não vamos ter secretário de saúde? Vamos, temos pessoas competentes, e acho que a Secretaria de Saúde de Três Lagoas sempre esteve bem representada.