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Aparecida do Taboado

Produtor de limão é incluído na Lista Suja do trabalho escravo

Vinte trabalhadores foram resgatados de condições análogas à escravidão em Aparecida do Taboado.

Fiscalização de combate ao trabalho escravo (Foto: Repórter Brasil)
Fiscalização de combate ao trabalho escravo (Foto: Repórter Brasil)

Um produtor de limões certificado pela GlobalG.A.P, selo de boas práticas agrícolas reconhecido mundialmente, teve seu nome incluído na Lista Suja do trabalho escravo, atualizada pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) na quarta-feira (09/04).

O homem, que é proprietário de uma empresa exportadora de frutas, já negociou limões com grandes distribuidoras do mercado internacional.

Em fevereiro de 2024, ele foi autuado por manter 20 trabalhadores, entre eles um adolescente, em condições análogas à escravidão em uma fazenda que arrenda em Aparecida do Taboado.

De acordo com auditores do Trabalho que realizaram a fiscalização na fazenda, as vítimas resgatadas não tinham registro em carteira e colhiam os frutos sem equipamentos de proteção.

Durante 9 dias, o grupo ficou alojado em um curral, até ser transferido para uma casa na área urbana da cidade, segundo relatos de trabalhadores.

Mesmo após a autuação, de acordo com documentos acessados pela Repórter Brasil, o empresário continuou certificado como produtor pela GlobalG.A.P na cidade de Itajobi (SP), onde está localizada a sede da empresa.

A GlobalG.A.P tem diretrizes voltadas à saúde e bem estar dos trabalhadores entre os critérios a serem cumpridos pelos produtores certificados.

Em seu portal, a certificadora divulga que é a líder mundial na promoção de “práticas agrícolas mais seguras e responsáveis em mais de 135 países ao redor do mundo”.

“Nós estamos falando de uma das maiores violações de direitos humanos, que é o trabalho escravo. E esse não é o primeiro empregador autuado e provavelmente não será o último para o qual as certificadoras deram o seu selo”, afirma Fernanda Drummond, assessora de Defesa dos Direitos Socioambientais da ONG Conectas. “Enquanto o processo de certificação não for mais transparente, teremos auditorias que são feitas para agregar valor comercial, e não por uma real preocupação em corrigir questões”, complementa.

O empresário disse que não recebeu nenhum tipo de questionamento da certificadora após o resgate. Por telefone, ele explicou que atuava com CNPJs diferentes no Mato Grosso do Sul e em Itajobi, onde tem a produção certificada.

O empresário afirmou que contratou um empreiteiro para montar uma equipe de colhedores na fazenda e não tinha conhecimento das condições nas quais os trabalhadores estavam. “Eu contratei a pessoa errada. Fui uma vítima, como eles foram”, alegou. Ele ainda argumentou que, em Itajobi, oferece salários acima da média aos trabalhadores e mantém ações sociais em prol das comunidades.

Procurada na semana passada, a GlobalG.A.P afirmou na quarta-feira (09/04) que a certificação do proprietário não estava mais ativa. Até a última segunda-feira (7), no entanto, ela permanecia com status válido no site da GlobalG.A.P.

Após a publicação desta reportagem, a certificadora informou que a certificação estava ativa por um “problema técnico” no sistema. O produtor, afirma a organização, “solicitou a certificação, mas não está certificado no momento”.

A GlobalG.A.P também afirmou condenar abusos sociais e aos direitos de trabalhadores. “Ao mesmo tempo, devemos enfatizar que a maioria das observações que você descreve são atos criminosos que estão fora do escopo de todos os sistemas de certificação. Os atos criminosos estão sob a jurisdição das autoridades responsáveis pela aplicação da lei”. 

Ação de R$ 4,7 milhões por danos morais

Além da autuação do MTE, que levou à inclusão do produtor na Lista Suja do trabalho escravo, ele é alvo de uma Ação Civil Pública ajuizada no dia 3 de abril pelo Ministério Público do Trabalho do Mato Grosso do Sul (MPT-MS).

Na ação, o MPT pede o pagamento de R$ 4,7 milhões em danos morais individuais e coletivos por desrespeito à dignidade humana. “O dolo do réu é irrefutável. A toda evidência, este possuía como atividade obter lucro criminoso com base na exploração desumana de trabalhadores”, afirmou a procuradora do trabalho Cláudia Fernanda Noriler Silva, em trecho da ação.

Limão tipo exportação

Dados alfandegários indicam um histórico de relações comerciais da empresa exportadora com grandes distribuidoras na Europa.

Four Seasons Harvest, que tem atuação mundial no segmento de frutas, importou limões da empresa, recebendo carregamentos em Londres.

A empresa faz parte do grupo britânico Dole. A Dole divulga em seu site políticas de sustentabilidade para sua cadeia de fornecimento que incluem diretrizes de combate ao trabalho escravo.

A Four Seasons foi procurada para comentar sua relação comercial com a empresa, mas não respondeu às tentativas de contato da Repórter Brasil.

Já a Dole afirmou que trabalhou, em 2024, com dois exportadores terceirizados que forneceram produtos da exportadora mencionada, mas que “recebeu garantias formais de ambos os exportadores de que nenhum produto destinado à Dole foi proveniente da fazenda onde ocorreram os resgates”. “Além disso, entendemos que os produtos dessa fazenda específica não são exportados”, complementou a nota.

Outro cliente no exterior foi a Jaguar The Fresh Company, que também divulga políticas para uma cadeia sustentável. A distribuidora, sediada na Holanda, tem operação em países da Europa e da África, na China e no Chile.

Questionada, a Jaguar informou que não realizou compras diretas da exportadora recentemente, sem especificar se a última aquisição ocorreu antes ou depois do flagrante de trabalho escravo. A empresa, contudo, confirmou que um de seus fornecedores recebeu produtos e que irá investigar o caso. Ela afirmou ainda que a certificação da GlobalG.A.P é “o primeiro critério de avaliação das condições sociais”, e que foi considerado na avaliação do produtor.

O empresário denunciado afirmou que já havia parado de exportar antes da autuação por trabalho escravo. Mesmo após o resgate, no entanto, a empresa continuou postando em suas redes sociais propagandas de limões certificados e vendidos a vários países da Europa.

Trabalhadores não tinham banheiros, comida e proteção

Os trabalhadores resgatados foram recrutados para a colheita do limão em Itajobi, a 288 quilômetros de Aparecida do Taboado, e levados para o Mato Grosso do Sul por um agenciador, conforme relataram em entrevista à Repórter Brasil e em depoimento prestado aos auditores do trabalho.

“Foi uma conversa bonita. Falaram que a gente ia ganhar bem, que ia ter alojamento, tudo certinho. Para a gente, que trabalha em roça, quando surge uma oportunidade de ganhar um pouco mais, interessa”, narrou um dos resgatados ouvidos sob condição de anonimato.

Ao chegarem, diz ele, foram alojados em um curral, com cobertura apenas no telhado, e sem banheiros. Depois de nove dias, foram levados para um alojamento na área urbana da cidade, onde as camas ficavam amontoadas em um galpão, sem janelas. Ainda segundo o trabalhador, os banheiros não tinham descarga e nem chuveiros, e a água, sem aquecimento, saía de um cano.

Os trabalhadores relataram também que só recebiam almoço e jantar e tinham que colher limões sem café da manhã. “Às vezes a gente sentava e esperava chegar o almoço, porque não dava conta de trabalhar. Teve bastante menino que adoeceu”, contou um dos resgatados. “Eu tive que ligar para a minha esposa e pedir que ela mandasse R$ 200 porque eu não tinha o que comer”, relatou outro trabalhador.

De acordo com o relatório de fiscalização, eles trabalhavam sem equipamentos de proteção. Um dos resgatados contou, em depoimento ao Ministério do Trabalho, que feriu o olho nos espinhos do pé de limão, durante a colheita, e ficou dois dias machucado sem receber auxílio médico. Ele só foi levado a um Pronto Atendimento quando os demais trabalhadores se negaram a continuar trabalhando enquanto ele não recebesse ajuda. Ele relatou também que foi orientado a mentir no atendimento, dizendo que não estava a trabalho.

No dia da fiscalização, de acordo com os trabalhadores ouvidos pela Repórter Brasil, o gerente que tomava conta do grupo tentou esconder o alojamento e pediu que eles fossem embora, mas o grupo se negou.

O empresário recebeu 22 autuações pelas infrações encontradas. O Ministério do Trabalho também identificou irregularidades no armazenamento de agrotóxicos utilizados nas lavouras e nas instalações elétricas, tanto na fazenda quanto nos alojamentos.

Após o resgate, o empregador pagou as indenizações trabalhistas e assinou um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) se comprometendo a cumprir a legislação. (Fonte: Daniela Penha e Poliana Dallabrida/Repórter Brasil)