Sendo o Brasil um país reconhecidamente carente no tocante ao equilíbrio social, havendo uma grande incompetência do Poder Público na gestão da respectiva matéria, não produzindo medidas de eficácia, sem ambages daquelas de caráter manifestamente assistencialista, cada vez mais o Terceiro Setor – parcela da sociedade civil que atua como verdadeira parceira do Poder Público no desenvolvimento destas ações que originalmente seriam de sua competência -, ganha importância na realização e na produção de efetivos resultados tendentes a diminuir substancialmente esta cratera social que assola nossa Nação.
Assim, como contraprestação desta “parceria”, o Estado concede a estas instituições, imunidades tributárias, estabelecendo no Código Tributário Nacional, norma geral sobre a imunidade, a ser observada pela União, Estados e Municípios, consagrando como critérios para o seu gozo apenas as três condições previstas em seu art. 14, a saber:
"Art. 14 O disposto na alínea 'c' do inciso IV do art. 9º é subordinado à observância dos seguintes requisitos pelas entidades nele referidas: I. não distribuírem qualquer parcela de seu patrimônio ou de suas rendas, a título de lucro ou participação no seu resultado; II. aplicarem integralmente, no país, os seus recursos na manutenção dos seus objetivos institucionais; III. manterem escrituração de suas receitas e despesas em livros revestidos de formalidades capazes de assegurar sua exatidão."
Desta forma, organizada para a consecução de objetivos comuns, a sociedade idealiza núcleos jurídicos, voltados ao implemento de finalidades públicas ou mesmo ao interesse de determinada coletividade, mas, em geral, com natureza social e/ou assistencial, não visualizando "interesse lucrativo", bem como não pautando suas ações ao atendimento das necessidades pessoais de fundadores, diretores e associados.
Nesse sentido, suas atividades têm como fim o interesse geral e público, coincidindo assim com as finalidades explicitadas na Constituição da República.
Ao seu turno, para melhor enfoque da presente matéria, imperioso salientar o que entendemos ser a compreensão mais coerente da expressão “finalidade não lucrativa”.
Assim, utilizaremos como premissa o objetivo central que norteia as Entidades de Interesse Social, advertindo desde já que a finalidade lucrativa não depende da existência ou inexistência de lucro ou resultado; primeiro, porque referidas entidades têm finalidades voltadas à transformação da realidade social e não ao benefício aos seus fundadores, sócios ou diretores; segundo, porque o resultado de suas atividades deve ser destinado, exclusivamente, ao fomento de suas finalidades.
Assim, se pela prestação de serviços ou pelo implemento de outra atividade, a Entidade conseguir apurar mais do que o suficiente à própria subsistência – o que, via de regra, é esperado – o referido "superávit' ou "lucro" será, integramente destinado às finalidades estatutárias desse organismo social, entendendo-se que reverterá à sociedade envolvida, pelo atendimento de suas demandas.
Ainda, interessante esclarecer que não cuida o Código Tributário Nacional de condicionar a imunidade ao não-pagamento de remuneração aos diretores que exerçam funções executivas e/ou administrativas na entidade, sendo certo que a jurisprudência dos nossos tribunais tem se manifestado no sentido de que referida hipótese não é passível de configurar "distribuição de lucros", por tratar-se de remuneração por trabalho profissional prestado.
O que a entidade imune não pode fazer é distribuir resultados, mas, à evidência, deve remunerar o trabalho profissional efetivamente realizado.
Ao seu turno, ao determinar que o reconhecimento da parceria e a constitucionalização da contrapartida do Estado ao trabalho social realizado pelo Terceiro Setor, pode não ser ratificado pelo legislador ordinário e ou pelo Poder Executivo, que "outorgaram-se" poderes de: a uma, traçar as exigências; a duas, fiscalizar; e, a três, reconhecer o benefício, concedendo a imunidade e cassá-lo, segundo os mais diversos e subjetivos critérios de análise, instaura cenário de completa insegurança jurídica.
Assim, é muito possível que aquela pessoa originalmente detentora de competência para promover a justiça social e que de forma incompetente e irresponsável não realiza (União, Estados e Municípios), ainda venha desestimular uma atividade totalmente lícita, e que embora seja carecedora de maiores incentivos governamentais, demonstra com efetividade os resultados, fazendo com que o Brasil seja um pouco menos violento com a maioria de seus filhos completamente abandonados do cenário econômico/social.
*É Advogado, sócio da Jorge Gomes Advogados, Mestre em Direito Tributário pela PUC/SP.