No momento em que se discute um novo pacto federativo para o nosso país, é importante avaliar os desafios inerentes ao desenvolvimento dos municípios, a começar pela informação de que, a cada semana, 1,4 milhão de pessoas, em todo o mundo, migra para o meio urbano. Isso significa dizer que, a cada sete dias, a civilização global precisa prover alimentação, moradia, transportes, empregos, serviços de saúde e educação para uma nova Porto Alegre (população da capital gaúcha é de 1,48 milhão de habitantes – IBGE/2019).
O fulminante ritmo da urbanização e crescimento populacional, que acontece nas cidades, além dos problemas intrínsecos à dificuldade de atender às necessidades básicas dos indivíduos e famílias, pode sobrecarregar as capacidades locais, contribuindo para aumentar o risco de ocupações desordenadas e desastres naturais. Invasões, loteamentos clandestinos sem qualquer tipo de infraestrutura de saneamento básico, queimadas, obstrução e poluição de rios e córregos e desmatamento sem compensações são alguns dos efeitos colaterais da incapacidade de resposta do Estado e provocam graves danos urbano-ambientais.
Os problemas inerentes ao acelerado crescimento das populações urbanas são mais graves nos países em desenvolvimento, dentre eles o Brasil. Aqui, como em outras nações, a demanda mais premente refere-se ao déficit habitacional. Trata-se de uma prioridade, pois habitação digna é o portal da cidadania. Sua ausência agrava a exclusão, gera a ocupação irregular do solo e provoca graves consequências socioambientais.
O déficit habitacional brasileiro, de sete milhões de moradias, tem múltiplas causas, sendo as principais: falta de planejamento de longo prazo; restrições ambientais; dependência de verbas públicas; crédito caro; legislações urbanísticas elitistas; judicialização de projetos aprovados; leniência com ocupações irregulares; inexistência de políticas públicas que incentivem investimentos privados; e aversão ao adensamento e verticalização.
Ademais, no Brasil, a doutrina ambiental das últimas décadas tem restringido ainda mais o uso e ocupação do solo. Relevantes áreas urbanas e de expansão urbana são congeladas para efeitos de desenvolvimento imobiliário, diminuindo as possibilidades de produção de moradias, especialmente as de baixa renda. Isso sem razão alguma, pois temos tecnologia, agentes públicos competentes e empresas altamente profissionais para criar espaços sustentáveis.
Além disso, os centros das cidades estão se deteriorando e deixando de produzir novas moradias dignas, em contrapartida ao aumento de ocupações irregulares de prédios ou mesmo de moradores de rua. Tal fenômeno abrange as grandes cidades de nosso país e resulta principalmente de legislações elitistas, ausência de zeladoria por parte da administração pública e falta de incentivos a investimentos privados.
Os centros só serão reabitados se oferecerem boas condições às famílias. Para sua rápida recuperação, precisamos de soluções disruptivas e inovadoras, como o incentivo ao capital privado. O poder público pode atrair recursos para novos projetos com medidas como isenções de IPTU ou de cobranças sobre adicionais de área construída, ampliação dos coeficientes de aproveitamento e gabarito, rapidez nas aprovações de projetos e melhoria da infraestrutura e segurança. A contrapartida está na maior arrecadação tributária, no bem-estar da população e, principalmente, na rapidez da transformação.
A consciência da sociedade também é relevante. Todos reconhecem o problema do déficit habitacional, mas quando se fala em adensamento, verticalização, novas obras ou supressão de vegetação, a aversão é geral. A crítica volta-se contra o empresariado da construção civil, taxado de especulador, e às prefeituras, acusadas de submeterem-se aos interesses dos poderosos.
Por todos esses problemas, o Brasil é um dos países que têm dificuldade de responder aos desafios do crescimento urbano. Assim, é urgente que, em paralelo às ações e reformas voltadas à retomada do crescimento econômico, tenhamos uma nova e eficaz política de desenvolvimento urbano, com a racionalização das aprovações de projetos, menos restrições ao adensamento e crescimento vertical dos municípios e políticas públicas de investimentos em infraestrutura e estímulo aos investimentos.