O mercado econômico-financeiro, evidentemente, luta pela tradicional agenda liberal (na economia): privatizações de estatais, redução do tamanho e do peso do Estado, aprovação das reformas, sobretudo a tributária e a da Previdência, recuperação econômica do País, solução para o problema fiscal (gastamos 6% mais que o PIB), não às intervenções estatais, refutação das pautas corporativistas, revisão das aposentadorias, redução da dívida pública, redução dos gastos públicos (para evitar o risco de calote), controle da inflação, crescimento econômico, conquista da confiança do empresariado, redução de impostos e menor regulação do Estado (menos burocracia).
A imensa maioria composta por cidadãos assalariados (com salário digno, que permitem adquirir bom capital cultural), subcidadãos (trabalhadores precarizados, desempregados, subempregados) e excluídos ou abandonados (irrelevantes) quer melhora nos serviços públicos (educação, saúde, segurança, Justiça, transportes etc.), o que significa mais gastos. Quer emprego e bom salário, ou seja, melhor qualidade de vida.
A pauta comum, que está longe de ser unânime, posto que reúne gente de todas as classes, reivindica uma agenda conservadora na política e nos costumes, no combate à violência, na desconsideração (desumanização) de algumas minorias, no não empoderamento das mulheres e por aí vai.
E o que pretendem do novo presidente os setores podres das elites dominantes e governantes, ou seja, os agentes que cooptaram o Estado brasileiro e que se enriquecem pela via da ilegalidade, dos privilégios e da corrupção?
Pretendem preservar sua particular e persistente política de sonegação de impostos, reduzindo-se tanto quanto possível a capacidade fiscalizatória do Estado; querem o fim da Lava Jato, a continuidade das evasões de divisas para paraísos fiscais assim como a legalização da lavagem do dinheiro sujo que angariam em suas atividades ilícitas.
Que não se mude em nada o insustentável modelo capitalista aqui adotado, que é o capitalismo bandido de laços (de amizades), regido por monopólios, oligopólios e carteis, que promovem uma absurda concentração de renda, geradora de aberrante desigualdade.
Que não ocorra nenhuma mudança na lei de licitações, que a Petrobrás continue fora dessa lei, que as isenções e renúncias fiscais prossigam sem nenhum tipo de transparência e de prestação de contas favoráveis à população. Que persistam os privilégios tributários, sem nenhuma tributação dos dividendos (lucros da pessoa física nas pessoas jurídicas).
Que a corrupção continue alastrada por todo País, sem nenhum tipo de controle do Estado. Que as cúpulas corruptas dos partidos políticos selecionados pela Justiça fiquem longe do clube das elites bandidas, posto que geradoras de alto risco de prisão de todo o grupo.
Que continue sem travas seu acesso privilegiado ao dinheiro público barato e subsidiado do BNDES, da CEF e de outras fontes públicas. Em tempos de vacas magras, esses empréstimos baratos são a salvação da riqueza bandida.
Que as privatizações sejam feitas usando o dinheiro público para pagá-las assim como os fundos de pensão. É possível que o Brasil seja o único país do mundo em que se privatiza uma empresa pública usando dinheiro público.
Que “funcione bem” a rede de vassalagem protetora e reprodutora dos seus impropérios éticos e morais.
Que os políticos (do Executivo, da Câmara e do Senado) feudo-vassálicos devidamente “contratados” (comprados), via financiamento eleitoral, continuem protegendo e auxiliando seus “negócios”, inclusive pela edição de novas leis.
Que a Justiça feudo-vassálica, composta especialmente por alguns juízes com assento no STF e no TSE, continue conivente com a bandidagem perversa dos setores pervertidos das elites e que a grande mídia deixe de cumprir seu papel fiscalizador do dinheiro público.
Que os vários setores feudo-vassálicos “engajados” dos campos militares, intelectuais, religiosos, escolares e universitários continuem apoiando e reproduzindo o modelo de governança bandida que ainda vigora predominantemente no País.
Por último, mas não menos importante: que a célebre frase de Ulysses Guimarães (“o governante não pode roubar nem deixar roubar e ainda tem que mandar prender quem roubar”) jamais seja propagada no Brasil clepto-feudal.
*É jurista e escritor.