O Fundo Monetário Internacional (FMI) e outras organizações apontam que a economia mundial encolherá consideravelmente em 2020 e, provavelmente, enfrentemos “espasmos” dessa crise nos anos seguintes, mas nem todo mundo será atingido da mesma forma.
O coronavírus, atingiu a Ásia e a Europa com uma força avassaladora, colocou de joelhos a gigante China e obliterou as tradicionais economias europeias. Vimos a maior economia do planeta ser duramente golpeada pelos efeitos da pandemia. É a maior crise econômica desde a Grande Depressão de 1929.
Entretanto, embora o vírus não dependa de questionários socioeconômicos para se espalhar, todos os dados apontam para uma verdade que a gramática neoliberal que domina o debate público atualmente tenta silenciar: são os mais pobres, de novo, que vão pagar a conta.
Os Estados Unidos que, entre o clube dos mais ricos, têm os piores índices de pobreza, ao se tornar o epicentro da pandemia, mostrou ao mundo que o coronavírus não é tão democrático quanto se imaginava.
A população negra é a parcela que mais sofreu com os efeitos da pandemia nos Estados Unidos, não porque exista algum componente biológico que faça com que os negros sejam mais suscetíveis ao contágio, mas porque existe um enorme problema socioeconômico. (…)
No Brasil, o vírus encontrou uma realidade ainda mais cruel. Durante o auge da pandemia vimos cemitérios superlotados, filas de ambulâncias em busca de UTI, filas de pessoas desesperadas para ter acesso ao dinheiro do auxílio emergencial, vimos também desvio da verba destinada ao combate à pandemia, ações de despejos, demissões em massa, violência policial (acompanhada do velho racismo) e fechamento de várias empresas.
Diante desse caos, os mais pobres novamente se viram sozinhos, abandonados à própria sorte e diante de uma escolha impossível: ou se expõem ao vírus, arriscando suas vidas e de suas famílias, engrossando o número de vítimas da covid-19, ou enfrentam “com a cara e a coragem” as consequências da crise.(…)
Como a nossa sociedade, capaz de feitos fantásticos como a chegada à lua e a realização de mega construções impressionantes, não consegue imaginar um mundo onde seres humanos não precisem escolher entre morrer de fome com o desemprego ou terem suas vidas ceifadas pela pandemia?(…)
Utopia? Pode ser, mas ambicionar uma nova sociedade deveria ser mais cativante e capaz de mobilizar mais paixões do que o aceite (e mesmo a defesa) dessa distopia que decidimos chamar de “realidade”, onde o tecido social se desfaz, a natureza é desprezada, minorias são massacradas, onde os seres humanos não podem viver de forma plena.
J.R.R. Tolkien, o autor de “O Senhor dos Anéis”, em um ensaio no qual defende de forma primorosa o valor literário e social das “histórias de fadas”. sublinhou a falta de imaginação das obras de ficção científica da época que, em geral, mesmo diante de uma sociedade repleta de coisas repugnantes e terríveis como “o barulho, o fedor, a crueldade e a extravagância do motor de combustão interna” eram incapazes de ir “além da esplêndida ideia de construir mais cidades do mesmo tipo em outros planetas”. Essa carapuça nos serve muito bem, infelizmente. Apesar dos horrores a que somos expostos, seguimos incapazes de imaginar uma outra realidade, com outras regras, com outros valores.
Enfim, que a experiência de sermos “testemunhas oculares da história” nos torne capazes de desenvolver uma imaginação que vá além do óbvio, não apenas para elaborar histórias maravilhosas sobre o Belo Reino, como o fez o criador da Terra Média, mas para efetivamente desenvolvermos uma nova sociedade.
A frase é batida, eu sei, mas a obviedade não reduz a sua importância, um novo mundo é possível, ou melhor, é urgente e necessário.
* Gladisson Silva da Costa é especialista em Metodologia do Ensino de História, professor dos cursos de Letras e História da Uninter.