Uma mesa redonda foi realizada na quinta-feira (6), na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), para debater o fim das restrições ao uso do Gás Liquefeito de Petróleo (GLP), o famoso gás de cozinha. O GLP tem algumas restrições de uso no Brasil desde o ano de 1991, quando o Governo Federal proibiu o uso do gás para o aquecimento de piscinas, saunas, caldeiras e motores, como os geradores de energia.
Uma das justificativas é que, na época, os preços dos combustíveis dispararam por conta da Guerra do Golfo e o governo temia que houvesse uma escassez prolongada dos derivados do petróleo pelo mundo. Como o Brasil depende de importações para manter o estoque de GLP, a utilização não seria viável. Além disso, o produto era fortemente subsidiado, fato que mudou ao longo dos anos.
Em Mato Grosso do Sul, a Universidade Federal desenvolveu, em parceria com o setor privado, um estudo sobre o uso do gás para a produção e a distribuição de energia elétrica. A pesquisa foi autorizada pela Agencia Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) e durou cerca de um ano e 10 meses, como explica o professor Saulo Gomes Moreira, diretor de Agencia de Inovação da UFMS.
"Foram dois projetos específicos. Um deles é o uso do GLP como fonte energética para o setor de psicultura, para a produção de peixes. E o GLP é utilizado como fonte de geração de energia elétrica para os dos tanques de produção de peixes. A gente identificou que o GLP traz uma segurança energética para esse setor, garantindo uma maior eficiência na produção de peixes, no ganho de massa, no ganho de proteína animal. O outro projeto é o uso do GLP como geração distribuída, e a gente tem um gerador conectado à rede da universidade, e esse gerador ele é abastecido com GLP. Então ele abastece uma parte de um setor aqui da universidade, exatamente para que a gente possa identificar os seus aspectos técnicos de segurança, os seus aspectos de emissão de poluentes, então a gente ao longo do desenvolvimento desse projeto a gente pôde experimentar esse grupo gerador".
Durante a audiência pública, foram apresentados os resultados desse projeto. Chama a atenção a diferença na tarifa de energia elétrica. O custo com o gerador a base de GLP foi de R$1,60 por kWh. A média com a distribuidora de energia, em horários de ponta, por exemplo, foi de R$2,30 por kWh. Além disso, segundo o professor Saulo, ficou nítida a baixa emissão de poluentes, a facilidade de armazenamento e transporte e também a segurança energética, com menos interrupções momentâneas de energia.
A discussão foi proposta pelo Deputado Federal, Beto Pereira (PSDB). Também marcaram presença o coordenador-geral de Acompanhamento de Mercado do Ministério de Minas e Energia, Deivson Matos Timbó; superintendente-adjunto da Superintendência de Derivados de Petróleo e Biocombustíveis da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), Marcelo Cavalcante; o presidente do Sindicato Nacional das Empresas Distribuidoras de Gás Liquefeito de Petróleo (Sindigás), Sérgio Bandeira de Mello e o vice-Presidente de Operações e Estratégia da Copa Energia, Pedro João Zahran Turqueto.
O superintendente de Distribuição e Logística da ANP, Diogo Valério, também participou do debate por meio de uma vídeochamada. Segundo ele, a agência já autorizou outros testes, além dos que foram realizados na UFMS e eles serviram como aprendizado. Ele afirmou que o tema das restrições do GLP é uma agenda prioritária no órgão.
Segundo o deputado Beto Pereira, o uso GLP seria importante para duas atividades: “A geração de backup, com geradores que estão em hospitais, estão em shopping centers, para utilização em caso de falta de energia. E a outra possibilidade é a utilização de geradores em áreas remotas. Isso viabiliza em diversas vezes o negócio, porque a construção da rede de transmissão é algo que, hoje, onera muito os investimentos e traz, às vezes, a impossibilidade de o investimento acontecer".
O principal desafio é melhor a infraestrutura para a importação do gás. Para resolver essa questão é preciso atrair investimentos e segundo Deivson Matos, de Minas e Energia, esse processo é de longo prazo, mas já está em andamento. "A prática de preços de mercado é uma questão essencial e isso a gente percebe há mais de duas décadas no Brasil. O processo de tomada de decisão, por parte dos agentes econômicos da iniciativa privada, tem uma curva de maturação que precisa ser vencida. São investimentos vultuosos. O terminal que foi mencionado aqui no evento é um investimento da ordem de R$ 1,2bi. Então precisa de todo o conforto para que o investidor tome o risco e invista o capital para construir essa infraestrutura, mas eu acho que a gente está no caminho certo."
Para o presidente do Sindigás, Sérgio Bandeira de Mello, é preciso que o poder público incentive o investimento do setor privado. “Tem pouca infraestrutura porque tem muita restrição ao desenvolvimento. Como que um empresário, seja distribuidor, seja revendedor, ele vai amassar a chapa, ele vai criar tanques, quando ele vive num cenário de restrições e de perspectiva de permanência de restrições. Então, as políticas públicas têm um papel não só de cuidar de que o abastecimento não tenha falhas, mas principalmente de criar sinais e vetores para incentivar que os privados investem. Eles precisam de sinais de que existe possibilidade de desenvolvimento de demanda”.
Ele saiu da reunião convencido de que as restrições devem acabar. “Vão sair relatórios, vão sair propostas, posições, colocando mais pressão de que as boas decisões sejam tomadas, não necessariamente o fim das restrições amanhã, mas que as boas decisões sejam tomadas em prol da sociedade brasileira. Acho que os elementos estão todos dados, principalmente do ponto de vista científico, de que as restrições não encontram mais lugar ou justificativa para a sociedade brasileira […] Eu saio daqui com a certeza [fim das restrições]. o único sinal que fica é que, essas restrições acabam, e talvez exista vontade da agência, um temor da agência, que queira fazer isso de formas escalonadas”.
A decisão final será da ANP que deve discutir o tema até o mês de novembro.