
A megaoperação deflagrada nesta quarta-feira (23) pela Polícia Federal e pela Controladoria-Geral da União (CGU) revelou a dimensão de um esquema que, segundo as investigações, desviou ilegalmente bilhões de reais de aposentadorias e pensões por meio de descontos não autorizados.
Mato Grosso do Sul está entre os estados onde foram cumpridos mandados judiciais, incluindo buscas e apreensões em entidades suspeitas de participar do esquema.
A investigação revelou que mais de 6 milhões de beneficiários do INSS em todo o país foram impactados por descontos mensais feitos por associações de aposentados, sem autorização expressa dos segurados. A estimativa é que, entre 2019 e 2024, os valores somem cerca de R$ 6,3 bilhões.
MS na mira
No estado, ainda que os alvos específicos não tenham sido detalhados pelas autoridades, o cumprimento de mandados indica que entidades com atuação em Mato Grosso do Sul estariam entre as 29 envolvidas no esquema.
A investigação aponta que essas organizações firmaram acordos com o INSS e passaram a aplicar descontos automáticos nas folhas de pagamento de beneficiários, sem comprovar autorização individual ou prestação de serviços reais.
De acordo com a CGU, mais de 97% dos aposentados ouvidos em auditoria afirmaram não reconhecer os descontos ou sequer saber da filiação a tais entidades. Em muitos casos, os próprios aposentados só tomaram conhecimento das cobranças durante as entrevistas feitas pela equipe de auditoria.
Afastamento da cúpula do INSS
O impacto da operação atingiu diretamente a alta gestão do Instituto Nacional do Seguro Social. Por decisão judicial, foram afastados de suas funções:
- O presidente do INSS, Alessandro Stefanutto
- O diretor de Benefícios e Relacionamento com o Cidadão
- O procurador-geral do INSS
- O coordenador-geral de Suporte ao Atendimento ao Cliente
- O coordenador de Pagamentos e Benefícios
Durante coletiva em Brasília, os ministros Ricardo Lewandowski (Justiça), Vinícius de Carvalho (CGU) e Carlos Lupi (Previdência) afirmaram que o afastamento se baseia em suspeitas de omissão ou facilitação do funcionamento irregular dessas associações, embora os nomes ainda não tenham sido formalmente acusados.
Luxo e desvio de recursos
A operação também apreendeu bens de alto valor, como carros de luxo (Ferrari e Rolls-Royce), grandes quantias em espécie, euros, dólares, joias e obras de arte. Um único alvo, segundo a Polícia Federal, tinha mais de R$ 15 milhões em patrimônio.
Os bens devem ser usados, futuramente, para ressarcir vítimas que comprovarem os descontos indevidos.
Em Mato Grosso do Sul, o número de beneficiários do INSS é significativo, e há histórico de atuação dessas entidades. O governo federal suspendeu todos os acordos de cooperação técnica com as associações envolvidas, inclusive as que atuam no estado.
A medida busca interromper a transferência de novos recursos até que se estabeleça um novo sistema com maior controle.
Sistema falho e falta de fiscalização
Outro ponto de destaque da investigação é a falha de fiscalização do próprio INSS, que, segundo a CGU, permitiu que dezenas de entidades iniciassem os descontos sem entregar a documentação obrigatória ou comprovar a autorização dos beneficiários.
Em alguns casos, apenas uma assinatura digital ou até falsificações foram utilizadas para justificar a filiação.
Mesmo após uma instrução normativa publicada em 2022, que previa o uso de biometria e assinatura eletrônica para autorizar descontos, as exigências não foram implementadas de forma efetiva.
Segundo os auditores, 40% das entidades sequer entregaram documentação, e 30% entregaram apenas parcialmente — mesmo assim, os descontos foram liberados.
Devolução e ressarcimento
Mais de 180 mil aposentados já solicitaram o cancelamento dos descontos via plataforma Meu INSS. Segundo o governo, há intenção de devolução dos valores cobrados indevidamente, mas cada caso será analisado individualmente e judicialmente. Parte dos valores já bloqueados pode ser utilizada para ressarcimento.
Os relatórios da CGU mostram que os valores descontados cresceram ano a ano: de R$ 413 milhões em 2016 para R$ 2,8 bilhões em 2024. O crescimento foi acompanhado por um aumento no número de entidades conveniadas, que passou de 15 em 2021 para 33 em 2024.
Investigações continuam
Apesar da operação ter se tornado pública nesta terça-feira, o inquérito principal foi instaurado no início de 2024, após a CGU detectar indícios consistentes de irregularidades em auditoria feita em 2023. A Polícia Federal não descarta novas fases, inclusive com prisões, bloqueios e responsabilizações administrativas de servidores públicos envolvidos.
Em MS, aposentados e pensionistas devem consultar o extrato de pagamento no Meu INSS e, caso identifiquem descontos de associações que desconhecem, podem solicitar o cancelamento imediato pelo aplicativo.
A recomendação do governo é que os segurados não aceitem intermediários e realizem a ação diretamente pelo sistema oficial.
A operação, considerada a maior do ano pela CGU em termos de abrangência e prejuízo estimado, segue em andamento sob sigilo.