Enchentes e alagamentos durante períodos mais críticos de chuva são problemas crônicos de Campo Grande e que persistem em algumas regiões da cidade há mais de 20 anos. Em determinados locais a situação só se agrava com o passar do tempo e isso impacta negativamente tanto a infraestrutura da cidade, quanto a qualidade de vida da população.
O engenheiro e professor doutor da Faculdade de Engenharia, Arquitetura e Urbanismo e Geografia da UFMS, Rubens Silvestrini, explica por que surgem no meio urbano, pontos de acúmulo de água da chuva que impossibilitam o trânsito de veículos e causam transtornos aos moradores.
“As pessoas, ao construir suas casas, os comércios, os empreendimentos, os loteamentos, os edifícios, acabam por impermeabilizar o solo nos sistemas construtivos. Então o que acontece? Você deixa de ter uma taxa de infiltração de água no solo para ter uma taxa de escoamento superficial. E a água de chuva, por exemplo, quando ela cai no solo e o solo está impermeabilizado, causando enchente e alagamento”, explicou.
O professor esclareceu que esses problemas como a água invadindo terrenos, casas e loteamentos após grandes volumes de chuva são considerados normais, mas não deveriam ser se o plano diretor, moldado e desenvolvido desde a construção da cidade, fosse seguido à risca.
Com a falta de planejamento durante o processo de expansão do município, Campo Grande acumulou diversos pontos de alagamento ao longo de seus 124 anos. Até o ano passado, foram registrados cerca de 300 pontos por toda a cidade, de acordo com levantamento, que foi parte da tese de doutorado do engenheiro ambiental e servidor da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Rafael Brandão.
Ele conta sobre o projeto e traz as principais regiões com alagamento registradas na capital.
“Os pontos acabam se repetindo. Por exemplo, se um ponto ele foi identificado em 2018 e depois ele foi em 2019. Ou então, em 2021, ele acaba entrando nessa contagem. Por quê? Porque a partir disso eu consegui gerar um mapa para identificar quais são as áreas críticas que mais acontecem esses esses tipos de de desastres hidrológicos,. Então, há cinco pontos críticos, é o entorno do Parque das Nações Indígenas, em torno da Lagoa Itatiaia, Avenida hashidneder com a Ernesto Geisel e com a Euler de Azevedo, a rua da divisão e a avenida Ricardo Brandão com a rua Joaquim mortinho, pontos que alagam a 56 anos”, relatou.
E nesses locais o relato da população evidencia os problemas enfrentados com os alagamentos.
Nos arredores da Lagoa Itatiaia, região leste da capital, a comerciante Marlene Torres trabalha há 14 anose fala sobre a dificuldade de manter o empreendimento funcionando.
“Os clientes quase não têm acesso. A água sobe na calçada, entra nas lojas, e toda vez que chove forte é o mesmo problema. Estamos sempre tentando proteger os produtos, limpar a loja à noite para abrir no outro dia”, desabafa.
Rosângela Gimenez, mora no local há 22 anos e conta que enfrenta dificuldades até para sair de casa.
“Minhas filhas nem conseguem chegar no ponto de ônibus, é barrento, escorregadio, e a água toma conta de tudo. Parece que vai ter revitalização, mas nunca sai do papel”, explicou moradora.
Em outro ponto crucial da cidade, na Rua da Divisão, região sul de Campo Grande, o microempresário Gerson Macedo relata como a falta de manutenção traz outros problemas junto aos alagamentos
“Os bueiros não aguentam o volume de água, e vira esse caos. Fico com o rodo na mão, jogando água para fora da loja. Se não cuidar, estraga tudo”, destacou.
Já o o empresário Édios Floriano da Cunha destaca que o asfalto trouxe mais problemas do que soluções. “Depois que asfaltaram, a água desce com mais força, e os alagamentos só aumentaram. Já tentei contato com a prefeitura, mas nunca recebi uma resposta”, contou
Os desafios enfrentados por essas pessoas que moram em regiões de alagamento foram ainda maiores durante três meses de 2024, quando foram registrados altos volumes de chuva, que ficaram acima da média esperada para o período, como conta o meteorologista Natálio Abrão.
“Campo Grande teve alguns meses com chuvas muito significativas. Dentre estes meses nós tivemos o mês de fevereiro e choveu um total de 104,2 mm. Segunda situação ocorreu no mês de setembro e choveu 52,8 mm. E o maior volume ficou com 46,6 mm em um único dia. Ou seja, choveu em um único dia quase o total do mês todos e finalmente um mês com mais chuva. O terceiro mês com mais chuvas foi o mês de abril e choveu 133 mm. E o restante os os outros meses. As suas médias ficaram abaixo do esperado”, contou.
Períodos de grande volume de chuva como esses podem voltar a ocorrer periodicamente em Campo Grande. Para o professor Rubens Silvestrini, a solução passa por uma gestão pública que priorize questões técnicas e ambientais, ouvindo profissionais qualificados e investindo em infraestrutura preventiva.
“O maior desafio é que os gestores deixem de ser apenas políticos e escutem o corpo técnico municipal”.
O que fica claro após relatos de especialistas e moradores da capital, é que Campo Grande precisa se preparar para o futuro, após erros da gestão pública no passado.
Enquanto ações não são realizadas, o dia a dia de moradores e comerciantes segue marcado por incertezas e prejuízos a cada período de chuva.