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Incompreensão

População carcerária de indígenas tem direitos violados em MS

É o que mostra relatório produzido pela Defensoria Pública de Mato Grosso do Sul durante mutirão de atendimentos na Penitenciária Estadual de Dourados

A apresentação dos dados do relatório foi feita na Escola Superior da Defensoria Pública do Estado do Matogrosso do Sul - Foto: Gerson Wassouf/CBN-CG
A apresentação dos dados do relatório foi feita na Escola Superior da Defensoria Pública do Estado do Matogrosso do Sul - Foto: Gerson Wassouf/CBN-CG

A Defensoria Pública de Mato Grosso do Sul, em parceria com a Defensoria Pública da União, apresentou nesta terça-feira (16) o primeiro relatório interinstitucional sobre o encarceramento dos povos indígenas no Estado.

De acordo com a Secretaria Nacional de Políticas Penais (Senappen), Mato Grosso do Sul é o estado que possui a maior taxa de encarceramento de pessoas indígenas no Brasil. Dados nacionais da secretaria, relativos ao período de janeiro a junho de 2023 apontaram um total de 1.226 pessoas indígenas presas no país e, neste mesmo período, MS custodiava 401 pessoas indígenas, o que representa praticamente um terço do total.

Diante desses números que a Defensoria Pública de Mato Grosso do Sul realizou, entre os dias 26 e 30 de junho de 2023, um mutirão de atendimento às pessoas indígenas privadas de liberdade na Penitenciária Estadual do município de Dourados (PED).

Conforme o coordenador do Núcleo do Sistema Penitenciário (Nuspen), o defensor público Cahuê Duarte Urdiales, o relatório produzido durante os dias do mutirão aponta violações de direitos e da dignidade humana no sistema prisional em Dourados, cidade em que há mais indígenas encarcerados no Brasil.

"Começa com a colocação de monitoração eletrônica, há também ausência de intérprete, quer algo mais violador de direitos humanos, que a ausência de intérprete? Então se eu não consigo me fazer compreender e ser compreendido dentro de um processo criminal, como eu posso falar em justiça? Há também a ausência de laudo antropológico para entender toda a cultura indígena e todo o contexto que cerca um fato criminoso. Do ponto de vista pessoal e de contato com violação de direitos humanos, o contato com esses indígenas dentro do sistema prisional é a maior violação de direitos humanos que eu já presenciei em Mato Grosso do Sul", afirmou.

Outro problema encontrado no local foi a falta de documentação, já que, conforme o relatório, grande parte dos 206 indígenas atendidos não possuíam qualquer documento da vida civil, como certidão de nascimento, RG, CPF ou título de eleitor. É o que conta o coordenador do Núcleo Institucional de Promoção e Defesa dos Povos Indígenas, Lucas Colares Pimentel.

"Me surpreendeu e surpreendeu a todos os membros do grupo de trabalho que, dentro do cárcere, encontramos quase estatísticas de pessoas sem documentação, e nós não entendemos como se tem um processo desde a delegacia de polícia, um processo judicial com depoimentos, enfim toda essa chancela do Poder Judiciário, do Ministério Público e da própria Defensoria Pública e à essa pessoa não é garantido o direito ao acesso à documentação básica, ou seja, certidão de nascimento, um CPF, para que ela vire pelo menos um número, uma estatística para que volte políticas públicas voltadas para ela. Nós encontramos então 20%, 23% da população carcerária indígena, da PED, sem nenhuma documentação, simplesmente eram pessoas que se autodeclararam com esse nome e foram processadas e condenadas sem serem sequer brasileiros"contou Lucas.

A importância da falta de comunicação e mesmo da falta de compreensão com a língua portuguesa é um fator determinante para essas situações. E isso é dito também pela indígena Kaiowá, Clara Barbosa de Almeida.

"Nós sempre não conseguimos entender muitas coisas, principalmente judicialmente quando a gente fala, porque nós nascemos, criamos e crescemos falando o nosso idioma. Com isso também a gente sofre muito preconceito, a gente sofre, muitas vezes é chamado de selvagem, porque o nosso idioma nunca vai ser igual dos não indígenas. Sempre vai ser esse idioma que a gente tem dentro de nós, que é o kaiowá e o guarani", disse Clara.

E o defensor público Cahuê Duarte Urdiales conta o que pode ser feito a partir dos dados coletados e da apresentação do relatório.

"O relatório tem o primeiro propósito de colocar luz no que está acontecendo. O próximo passo é sensibilizar as autoridades e todos que estão envolvidos com capacidade de decisão, seja um presidente de um Tribunal de Justiça, um procurador Geral de Justiça, o Governador do Estado, o próprio defensor público geral para que atue de maneira mais efetiva e que para essas violações terminem", concluiu o defensor.

Agepen

Todas as informações apresentadas na reportagem foram coletadas pela Defensoria Pública de Mato Grosso do Sul durante mutirão de atendimentos realizado na Penitenciária Estadual de Dourados entre os dias 26 e 30 de junho do ano passado, onde foram atendidos 206 indígenas presos.

Atualmente, a Agência Estadual de Administração do Sistema Penitenciário (Agepen), informou que todos os internos indígenas da penitenciária já têm certidão de nascimento e CPF. Isso foi possível depois que a Agepen, em parceria com a 3ª Defensoria Pública Criminal de Dourados, realizou atendimentos para regularização e emissão de RG dos povos originários que cumprem pena na penitenciária.

Além disso, ainda conforme a Agepen, no próximo mês de maio também haverá na Penitenciária Estadual de Dourados uma ação de cidadania em Parceria com a Secretaria Nacional de Políticas Penais, a Fundação Fio Cruz e entre outros parceiros.

Essas são algumas das ações que têm sido desenvolvidas junto aos povos originários custodiados no local.

Confira a reportagem com imagens: