Mato Grosso do Sul gastou mais de R$124 milhões em 2024 para atender ações judiciais relacionadas à saúde, conforme divulgado pela Secretaria de Estado de Saúde (SES-MS). Ao todo, 772 pacientes realizaram procedimentos cirúrgicos que deveriam ser garantidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS) por meio da via judicial no ano passado.
Entre as cirurgias mais demandadas judicialmente estão as ortopédicas, que representam 72% dos casos, seguidas por cirurgias oftalmológicas.
A judicialização da saúde tem se tornado uma saída comum para pacientes que não conseguem atendimento dentro do prazo necessário. O advogado Bruno Jussiani, especialista em Direito Médico há mais de 12 anos, explica que esses processos são, na maioria das vezes, movidos por pessoas que não têm recursos financeiros para arcar com um procedimento particular e que enfrentam longas filas no SUS.
“Muitas dessas cirurgias são de alto custo ou envolvem casos de urgência. O problema é que, mesmo com uma decisão favorável na Justiça, a espera ainda pode se prolongar por anos até a efetiva realização do procedimento”, afirma Bruno
O que são as cirurgias judiciais?
As chamadas cirurgias judiciais ocorrem quando um paciente precisa de um procedimento que não é disponibilizado pelo SUS em tempo hábil. Nesses casos, a única alternativa é recorrer à Justiça para obrigar o Estado e o município a custear o tratamento em uma clínica ou hospital particular.
Bruno explica que, mesmo quando há pareceres médicos comprovando a urgência, os processos costumam enfrentar barreiras jurídicas. “O Estado argumenta que esses pedidos geram um impacto financeiro alto, que não há orçamento previsto para isso. Há magistrados que negam a ação justamente para proteger os cofres públicos”, relata
Quase cinco anos de espera por um implante auditivo
Entre as centenas de processos registrados no Mato Grosso do Sul, um dos casos que exemplificam a demora e o impacto da judicialização é o de Ana Lívia, de cinco anos. A menina nasceu prematura, com apenas seis meses de gestação, e foi diagnosticada com surdez total.
A mãe, Ana Wisenfad, descobriu a condição quando percebeu que a filha não reagia a sons. “Derrubei uma panela de pressão ao lado do carrinho dela e ela nem se mexeu. Foi aí que percebi que algo estava errado”, conta.
Mesmo com laudos médicos comprovando a necessidade do implante coclear bilateral, o acesso ao procedimento pelo SUS foi negado. Durante quase cinco anos, Ana enfrentou uma batalha judicial para garantir o direito da filha a escutar.
“A gente entra na Justiça achando que vai ser rápido, mas foram muitas negativas. Eu me sentia impotente”, desabafa.
O caso chegou à segunda instância, onde finalmente a família conseguiu uma decisão favorável em dezembro de 2024. “Os advogados disseram que era questão de honra garantir que a cirurgia acontecesse antes do Natal“, relembra Ana.
A cirurgia foi marcada para janeiro de 2025, mas ainda enfrentou um novo obstáculo: a falta de um neuropediatra na equipe inicial, o que fez com que a data precisasse ser reagendada.
O procedimento, realizado no dia 28 de janeiro, durou cerca de cinco horas e foi um sucesso. Agora, Ana Lívia passa pelo processo de adaptação ao novo aparelho auditivo. “Ela ficou nervosa no começo, mas já está se acostumando. O mais emocionante foi vê-la indo para a escola com as outras crianças”, diz a mãe.
Mesmo após a vitória, Ana Wisenfad questiona a demora e a falta de estrutura do SUS para realizar esse tipo de procedimento. “O mais revoltante é saber que a Santa Casa de Campo Grande tem todos os equipamentos para fazer essa cirurgia pelo SUS, mas não realiza. Enquanto isso, outras mães continuam na mesma luta que eu enfrentei”, critica.
Questionada, a Santa Casa informou que não há contrato para atendimento ambulatorial e eletivos na especialidade de Otorrinolaringologia.