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Entrevista

'Obrigar uma criança a cumprimentar adultos pode causar dano emocional'

Segundo a psicóloga Inara Piva, é preciso ajudar a criança a encontrar uma maneira confortável de cumprimentar e se apresentar

Inara Piva é psicóloga especializada em comportamento infantil. - Divulgação
Inara Piva é psicóloga especializada em comportamento infantil. - Divulgação

Ao encontrar um adulto conhecido na rua, o ato de insistir que uma criança o cumprimente é algo comum entre quem convive com os pequenos. "Sim, eu costumo fazer ele cumprimentar sim", relata a mãe de uma criança de seis anos que prefere não se identificar. 

Embora o gesto seja algo convencional entre os mais velhos, forçar os mais novos a cumprimentar alguém pode se tornar prejudicial aos desenvolvimento da criança. É o que explica a psicóloga e especialista em psicoterapia, Inara Piva. "Então, se a gente obriga a criança a tocar o outro e a fazer com o próprio corpo o que ela não se sente confortável, ela pode entender que suas vontades e seus limites não precisam ser respeitados”. 

Inara ressalta ainda que no processo de autoconhecimento da criança, ter a confiança de um adulto é fundamental. Outro ponto destacado pela profissional é que essa obrigação do gesto pode fazer com que a criança tenha consequências negativas em seu desenvolvimento emocional. “Quanto mais ela valoriza suas vontades e respeita seus limites, mais fácil fica dela conseguir se proteger e, se isso não é incentivado na infância, pode sim trazer uma vulnerabilidade maior às relações abusivas”.

Jornal do Povo – Por que obrigar a criança a cumprimentar outras pessoas pode ser prejudicial a ela?
Inara Piva – Todos nós temos um limite de contato com nosso corpo. Para nós que somos adultos isso fica um pouco mais claro. A criança está em desenvolvimento, então, é essencial que o adulto responsável possa acompanhar e ajudar a se conhecer, identificar e respeitar esses limites. Então, se a gente obriga a criança a tocar o outro e a fazer com o próprio corpo o que ela não se sente confortável, ela pode entender que suas vontades e seus limites não precisam ser respeitados, gerando, sim, uma consequência negativa nesse desenvolvimento emocional da criança. 

JP – Essas obrigações podem colocar a criança em alguma situação de vulnerabilidade?
Inara – O que a gente pode relacionar é com o processo de autoconhecimento da criança. Quanto mais ela valoriza suas vontades e respeita seus limites, mais fácil fica dela conseguir se proteger e, se isso não é incentivado na infância, pode sim trazer uma vulnerabilidade maior às relações abusivas. Porque a relação abusiva pode aparecer de várias maneiras. O abuso sexual ele é prevenido com uma rede de proteção. Então, quanto mais conhecimento, quanto mais segurança e confiança o adulto tem nele, mais capacidade terão de se defender. 

JP – A falta de contato físico está ligada à educação da criança?
Inara – É importante deixar claro que esse contato físico inicial não está ligado à educação da criança ou a capacidade de interação social dela. O que muitas vezes acaba sendo confundido. Por isso, é exigido que a criança beije ou abrace o familiar ou a pessoa estranha. As crianças podem ser muito bem educadas com uma boa interação social, respeitando seus direitos individuais de ser e de demonstrar afeto. Aos poucos, conforme a segurança e os vínculos da criança com o adulto forem sendo estabelecidos, elas naturalmente irão demonstrar afeto por livre e espontânea vontade. Então, a gente precisa ajudar a criança a encontrar uma maneira confortável para ela cumprimentar e se apresentar ao outro. A relação de confiança pra criança se sentir a vontade é muito importante. Então, por isso, a criança nunca deverá ser punida, criticada, castigada por algo que ela não queria fazer com seu próprio corpo, por ela não se sentir a vontade de fazer algo com seu próprio corpo.