Veículos de Comunicação

POLÍTICA

Projetos de lei geram polêmica em Campo Grande

Propostas envolvem restrições a eventos LGBTQIA+, uso de verba pública e participação de atletas trans

Câmara Municipal de Campo Grande deve começar os trabalhos dia 18 de fevereiro
Câmara Municipal de Campo Grande deve começar os trabalhos dia 18 de fevereiro | Foto: Arquivo/ CBN-CG

O vereador Rafael Tavares (PL), o segundo mais votado nas eleições municipais de 2024, com mais de 8 mil votos, apresentou três projetos de lei que já geram debates antes mesmo do início oficial dos trabalhos legislativos na Câmara Municipal de Campo Grande, previsto para 18 de fevereiro.

Um dos projetos propõe a proibição do uso de verba pública em eventos que possam expor crianças e adolescentes a temas relacionados à orientação sexual e sexualidade. O texto destaca a necessidade de proteger a infância e adolescência com base no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

Trecho do Projeto de Lei que proíbe a utilização de verba pública no âmbito de Campo Grande:

[…] Art. 1º Fica proibida a utilização de verba pública, no âmbito do Município de Campo Grande/MS, em eventos e serviços que, de forma direta ou indireta, possam expor crianças e adolescentes a temas eróticos e de orientação sexual ou que possam influenciar negativamente sua formação natural de gênero e sexualização precoce.

Art. 2° Os serviços públicos e eventos patrocinados pelo poder público devem observar as normas legais que protejam crianças e adolescentes de apresentações, presenciais ou remotas, contendo imagens, músicas ou textos de conteúdo libidinoso ou obsceno, e garantir sua proteção contra conteúdos impróprios ao desenvolvimento psicológico. […]

Outro projeto busca impedir a participação de crianças menores de 12 anos em eventos voltados ao público LGBTQIAPN+. Segundo a justificativa, o objetivo é preservar as crianças de exposições consideradas inadequadas para seu desenvolvimento.

Trecho do Projeto de Lei que veda a participação de crianças menores de 12 anos em eventos com temática LGBTQIA+:

[…] Art. 1º Fica vedada a participação de crianças em eventos cuja temática seja relacionada a ações voltadas ao público LGBTQIA+. […]

Art. 2° Entende-se por eventos relacionados à ações LGBTQIA+ aqueles que abordam temáticas de orientação sexual, identidade de gênero, que contenham divulgação de conteúdos, imagens, performances, espetáculos ou qualquer forma de manifestação artística, cultural ou de entretenimento que possam expor precocemente crianças à temáticas de relacionadas a sexualidade.

Parágrafo único. É assegurada a participação em eventos de cunho educativo e de conscientização à diversidade, desde que preservada a inocência e a proteção das crianças, de acordo com entendimentos sobre o desenvolvimento psicológico e emocional. […]

O terceiro projeto trata da participação de transexuais em competições esportivas. A proposta determina que atletas trans não possam competir em categorias diferentes do sexo biológico de nascimento.

Trecho do Projeto de Lei que estabelece o sexo biológico como único critério para definição do gênero dos atletas em competições esportivas profissionais em Campo Grande:

Art. 2° As entidades de administração do desporto e as entidades de prática desportiva, bem como aquelas responsáveis pela organização de competições oficiais que não observarem esta Lei ao inscreverem seus atletas, estarão sujeitas às seguintes penalidades:

I – Multa administrativa no valor equivalente a 300 (trezentas) UFIC (Unidade de Valor Fiscal de Campo Grande);

II – Em caso de reincidência, a multa será aplicada em dobro; […]

Art. 3° O atleta transgênero que omitir sua condição da respectiva entidade de administração do desporto ou entidade de prática desportiva será banido do esporte no âmbito do Município de Campo Grande/MS.

Entidade se manifesta contra os projetos

As propostas enfrentaram críticas da Associação de Travestis e Transexuais de Mato Grosso do Sul (ATTMS). Em nota, a entidade classificou os projetos como discriminatórios e afirmou que reforçam o preconceito contra a população LGBTQIAPN+.

Confira um trecho da nota de repúdio:

O primeiro visa proibir o uso de verbas públicas em eventos LGBTQIAPN+ com crianças, utilizando como justificativa uma suposta proteção à infância. Contudo, não há qualquer evidência ou estatística que demonstre que esses eventos coloquem crianças em risco. Pelo contrário, iniciativas LGBTQIAPN+ promovem inclusão, empatia e respeito, enquanto estudos mostram que a maior parte dos abusos infantis ocorre em lares “heteronormativos” e/ou em contextos religiosos.

Outro projeto restringe a participação de crianças menores de 12 anos em eventos LGBTQIAPN+, mesmo acompanhadas por seus responsáveis. Essa medida desrespeita o direito constitucional das famílias de decidirem sobre a formação de seus filhos e marginaliza espaços que promovem diversidade e cidadania, aplicando um controle seletivo à comunidade LGBTQIAPN+.

O projeto que estabelece o sexo biológico como único critério para definição de gênero em competições esportivas é especialmente discriminatório e cientificamente infundado. Ele ignora normativas internacionais, como as do Comitê Olímpico Internacional (COI), que permite a participação de mulheres trans em competições femininas desde que atendam a critérios hormonais e científicos específicos, garantindo equidade e inclusão.

Mikaela Lima Lopes, mulher trans e presidente da ATTMS destaca que os textos ignoram problemas reais enfrentados pela cidade e violam direitos humanos. Segundo ela, o foco deveria estar em atender demandas prioritárias da população. “São pessoas eleitas que não conhecem a cidade, não sabem a real necessidade da nossa Capital, […] são ruas esburacadas, a nossa saúde está totalmente precária”, expos Mikaela.

De acordo com a presidente, ações já estão sendo tomadas contra os projetos. “A ATTMS vai encaminhar a denúncia com outros órgãos LGBTQIAPN+ do estado […] vamos encaminhar para os órgãos responsáveis para fiscalizar e se tomar as devidas providências. São os direitos humanos que estão sendo violados com essas leis.”

Os projetos de lei ainda precisam ser analisados pelas comissões permanentes da Câmara Municipal, que inicia os trabalhos oficialmente dia 18 de fevereiro.