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Entrevista

Apesar da arrecadação bilionária, cidade tem milhares de pessoas com dificuldades'

Um terço da população de Três Lagoas vive em situação de pobreza ou extrema pobreza

Economista e professor de economia da UFMS, Marçal Rogério Rizzo - Arquivo
Economista e professor de economia da UFMS, Marçal Rogério Rizzo - Arquivo

Na edição passada, o Jornal do Povo trouxe como manchete a quantidade de famílias de Três Lagoas que vivem em situação de extrema pobreza. Segundo dados do Cadastro Único (CadÚnico), do Governo Federal, mais de um terço da população de Três Lagoas vive em situação de pobreza ou extrema pobreza, o que equivale a mais de 20 mil famílias, ou mais de 50 mil pessoas dos 125 mil habitantes da cidade. Famílias em situação de extrema pobreza são aquelas que têm renda familiar mensal per capita de até R$ 105, e as em situação de pobreza, têm renda familiar mensal por pessoa entre R$ 105,01 e R$ 210. Famílias com essa renda se enquadram dentro do programa do governo federal para receber o Auxílio Brasil.

Outras estão na baixa renda, que vai de R$ 210 até meio salário mínimo (R$ 606) per capita. Famílias que recebem até esse valor podem se inscrever no CadÚnico.

Os dados causaram questionamentos e mais de 300 comentários no Facebook do JPNews. Diante da repercussão, o Jornal do Povo entrevistou o economista e  professor de Economia da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), Campus de Três Lagoas, Marçal Rogério Rizzo. 

Segundo dados do CadÚnico, Três Lagoas tem mais de 20 mil famílias em situação de pobreza e extrema pobreza.

Como o senhor analisa essa quantidade de famílias, que equivale a mais de um terço da população de Três Lagoas nesta situação? 
MARÇAL ROGÉRIO RIZZO Os dados apresentados na última edição do Jornal do Povo realmente são preocupantes. Quem ouve falar de Três Lagoas como a “Capital Mundial da Celulose” e claro, uma terra fértil de oportunidades para estudar, empreender e trabalhar jamais imagina que apresenta tais níveis de pobreza e extrema pobreza.  Os dados vêm para trazer um alerta para a nossa economia e para o poder público, pois temos praticamente um terço da população excluída economicamente.  Essa parcela de habitantes não tem acesso a uma renda suficiente para seu consumo básico e isso repercute em dados sociais, como: desemprego; violência; desnutrição; exclusão social entre outros.   

Três Lagoas está entre as 110 cidades mais ricas do país, com um dos melhores PIB. Por outro lado, a gente vê muitas pessoas passando dificuldades. Como analisa esse contrassenso?
MARÇAL ROGÉRIO RIZZO
O que observamos é que o município parece viver duas realidades distintas: por um lado apresenta oportunidades para milhares de pessoas trabalhar, estudar e empreender, apresenta ainda, uma arrecadação bilionária e, por outro lado temos milhares de pessoas com dificuldades para sobreviver. Isso mostra a dificuldade de se distribuir renda. O que parece é que existe uma ausência de uma política pública eficaz e adequada para garantir o mínimo para essas famílias. Porém, antes de fazer qualquer diagnóstico impreciso temos de entender o perfil dessas famílias que convivem com a pobreza e a extrema pobreza. Só entendendo a raiz do problema é que podemos atacar os frutos.

Três Lagoas tem muitas empresas, é a “Capital Mundial da Celulose”. Todos os dias tem vagas disponíveis na Casa do Trabalhador. Quais seriam as razões de tanta gente nesta situação de pobreza?
MARÇAL ROGÉRIO RIZZO
Esse ponto é bastante controverso e polêmico. Há quem diga que quem não trabalha é vagabundo e que há vagas de trabalho sobrando. O que ocorre é que as vezes as pessoas pensam que um desempregado pode trabalhar em qualquer lugar, basta ter a vaga de emprego. Todavia, temos que lembrar que há necessidade de qualificação. Sabemos que o colaborador que a empresa necessita tem um perfil diferente do que está sendo ofertado. Existem características técnicas, intelectuais, habilidades, capacidade e até mesmo atitudes que devem ser preenchidas pelo candidato para ocupar a vaga. Vamos a um exemplo: A empresa precisa de uma cozinheira como ela irá contratar a pessoa que não sabe cozinhar. Investigar quem é essa população que está em condições de pobreza e na extrema pobreza passa por entender o perfil de qualificação dos mesmos.
Em muitos comentários sobre o tema nas redes sociais, vimos pessoas criticando que muitas dessas famílias não querem trabalhar. Por outro lado, muitos comentários também de que muitos trabalham, mas que o salário que recebem permite que muitos trabalhadores estejam nesta situação de pobreza.

O senhor entende que isso pode ser reflexo deste cenário?
MARÇAL ROGÉRIO RIZZO
Como já afirmei o tema é bastante polêmico. O ponto aqui não pode, a partir de casos, ser trazido para uma generalização. Existem situações para ambos os lados e, em razão disso reafirmo que só podemos encontrar uma solução mais prudente e viável para essa situação se conhecermos o perfil dessa população. Agora não basta conhecer e não trazer ações que possam mudar esse cenário. Entender o que está acontecendo é muito importante. Sabemos que Três Lagoas, assim como outros municípios do Brasil, teve um crescimento acelerado e desordenado e que isso gera bolsões de pobreza.  

O senhor entende que o atual Governo Federal pode ter contribuído para esse cenário?
MARÇAL ROGÉRIO RIZZO
O que está acontecendo e vem prejudicando enormemente a população mais pobre que tem ligação direta com o Governo Federal é justamente a inflação. A política macroeconômica deveria ter priorizado o combate à inflação desde o momento em que a mesma se mostrou forte e que poderia voltar. A inflação tira poder de compra de todo mundo, porém, a população mais pobre não consegue obter mecanismos como, por exemplo, aplicações financeiras, repasse nos preços que garantam ao menos a reposição dos índices de inflação. Outro ponto que não podemos deixar de lembrar foi que no meio do governo tivemos uma pandemia, que poderia ter sido controlada de uma forma mais técnica, assim teríamos ganhado tempo com relação a reabertura da economia. As políticas de renda mínima também parecem que perderam espaço neste governo, e em situações de crise, elas vêm para garantir ao menos o mínimo para a alimentação dessa população menos favorecida.

O Poder Público Municipal tem a sua parcela de contribuição para este cenário ou não?
MARÇAL ROGÉRIO RIZZO
O Poder Público Municipal é o poder que está no quintal de nossas casas, é ele que está mais próximo de nós. Como já enfatizei por várias vezes o município tem que investigar o perfil e as causas desse problema. Entender se essa população que está nessa situação são os antigos moradores ou se são pessoas que vieram em busca de oportunidades e acabaram em situação de pobreza. Três Lagoas tem uma arrecadação considerável e poderia atuar de forma mais incisiva na atração de empresas. Ações como a criação de incubadoras empresariais podem ser um ponto de partida para pequenos novos negócios e vagas de empregos.  Acredito que uma política habitacional também auxiliasse na geração de empregos, renda e melhorasse o déficit habitacional do município. A família que não paga aluguel já consegue viver com mais folga no seu orçamento. Ações de apoio a qualificação e requalificação de mão de obra também deveriam estar no radar do município de forma contínua, que muitas vezes é mais uma ação política do que propriamente gasto público. 

Qual seria a alternativa para essas famílias deixarem esse cenário?
MARÇAL ROGÉRIO RIZZO
Quem está nessa condição muitas vezes não consegue ver uma luz no fim do túnel. É uma situação que pode levar a pessoa ao desalento. Existem duas formas de obter renda. A primeira é vendendo sua mão de obra. Agora deve-se entender que para encontrar boas oportunidades deve estar ativo. É melhor estar ganhando pouco mas estar trabalhando, podendo obter experiência e ser visto para novas oportunidades do que em casa desempregado. Deve-se estar ciente que começamos de baixo e vamos obtendo melhorias ao longo do tempo. Para isso, a qualificação é um ponto fundamental. A segunda forma de obter renda é empreender. Sugiro que para não começar errado seu negócio, mesmo que seja na garagem de casa que procure quem possa auxiliar como, por exemplo, o SEBRAE que certamente irá ajudar muito nessa jornada.