A nova lei federal n º 14. 811/24, sancionada em janeiro de 2024, tipifica o bullying e o cyberbullying como crimes previstos no Código Penal, estabelecendo 2 a 4 anos de reclusão ou multas. Se as condutas forem praticadas por crianças ou adolescentes, cabe a aplicação de medidas socioeducativas descritas no Estatuto da Criança e do Adolescente. A lei também amplia o rigor para quem exibe ou facilita a exibição de pornografia infantil, passa a classificar como crime hediondo os casos de abuso e de exploração sexual de menores de idade e aumenta, ainda, a pena de homicídio se praticado dentro da instituição de ensino. Neste caso, especialmente, trata-se de medida plenamente justificável, pois, nos últimos dois anos, o Brasil enfrentou um aumento sem precedentes de ataques em colégios, com um total de 21 ocorrências.
Antes da sanção da lei, o bullying só estava previsto em uma legislação de 2015 que descrevia os atos que o configuram, mas não estabelecia penalidades. “Essa nova legislação tem como objetivo central garantir a proteção de crianças e adolescentes contra a violência nos estabelecimentos educacionais e reveste-se de extrema importância diante do crescente número de tragédias escolares e casos de suicídio entre os jovens.” – se faz oportuna a delegada de polícia Raquel Gallinati.
A lei define bullying como uma intimidação sistemática, intencional, repetitiva, praticada mediante ações verbais, psicológicas e morais, na modalidade presencial. O cyberbullying, por sua vez, é a versão online, promovida na internet, em redes sociais, ou em qualquer outro ambiente digital. E, de fato, o termo bullying é o gerúndio do verbo to bully, que, na língua inglesa, literalmente tem acepção de intimidar e/ou ameaçar. Entre as várias consequências deletérias, a vítima sofre também pela rejeição, pelo não pertencimento ao grupo.
Infelizmente, é nas instituições de ensino onde mais se pratica essa violência. Segundo pesquisas, os espaços de maior incidência estão dispostos nessa ordem: salas, recreios, entradas e saídas, enquanto a intensidade do bullying indica o quanto moralmente a escola está comprometida. Reiteradas vezes se ouve a analogia a uma barrica de maçãs, na qual por falta de uma boa assepsia se depositam no fundo ácaros ou mofo que infestam os demais frutos. No ambiente escolar, essa infestação pode se disseminar como decorrência de conflitos mal resolvidos, da falta de regras claras e de punição adequada, ausência de uma cultura mais humana no colégio e/ou em casa.
Em diversas instâncias judiciais, mesmo antes da nova lei, já foram responsabilizados com indenização pecuniária os pais, os professores e os gestores escolares. E a todos cabem duas frentes de combate: prevenção e ação. É preventiva a prática de uma cultura de respeito, tolerância e aceitação de que somos diversos, enquanto a ação é vigilante e punitiva sobre os agressores. Em resumo: ação como remédio e prevenção pelo comportamento ético.
Porém, se de um lado a lei traz um desejado efeito dissuasivo e punitivo que supera a lacuna legislativa anterior, por outro é preciso cuidar com a classificação indiscriminada, onde tudo é bullying. É impossível sermos aceitos em todos os grupos e que todos concordem com tudo o que fazemos ou pensamos. O crime nasce quando a mera discordância se transmuta em ameaças, intimidação ou outras ações vexatórias.
Nesse mesmo sentido, é preciso entender que o ambiente escolar é um cadinho de humanos e é ilusão imaginar que a diversidade não vai se manifestar, assim como na vida. Num crescendo, o educando vai assimilando as oportunas lições das alegrias e agruras na convivência com os colegas – diversos, mas quiçá não adversos – e, destarte, torna-se mais robusto para o enfrentamento dos desafios e frustrações que serão ainda mais frequentes e intensos na fase adulta. As raízes de um carvalho só se fortalecem pala ação das inclementes rajadas de vento. E cada vitória tem o sabor de uma perdoável vingança, como nas palavras de Kate Winslet – vítima por ser uma adolescente fora dos padrões de peso e estética no início da carreira –, ao receber o Oscar de melhor atriz, por sua atuação no filme O Leitor: “Lá do palco, quando olhei a plateia, não vi nenhum dos meus agressores.”.
A escola é um laboratório para a vida adulta e, evidentemente, o mundo do trabalho é muito competitivo, por isso em determinados momentos a resiliência às hostilidades é necessária. Esse aprendizado deve ser gradual – não pontualmente intenso, que é uma característica do bullying –, para indicar que o caminho a ser percorrido na vida não é plano, florido e pavimentado.
É preciso estar atento o tempo todo. Como bem expõem os dados do IBGE: 40% dos estudantes brasileiros foram alvos da prática do bullying, sendo os principais motivos o corpo, o rosto, a cor da pele e a etnia. Portanto, esse avanço legislativo se faz necessário, pois não respeitar características individuais de um ser humano pode gerar marcas indeléveis e sofrimento, provocadas pela insensibilidade moral do bully (agressor). É preciso uma ação não só pedagógica, mas também punitiva, e os estudos comprovam que o praticante do bullying (criança ou adolescente), quando adulto, tenderá à violência doméstica e a outros desvios de conduta, como furtos, álcool, drogas e crimes, configurando uma consequência duradoura para a sociedade.
E para a vítima é um sentimento que dói intensamente, como se infere das palavras do filósofo norte-americano William James (1842-1910): “O princípio mais profundamente enraizado na natureza humana é a ânsia de ser apreciado”. Nós, educadores, devemos atacar as causas, para que a consciência não nos acuse de leniência quando vierem as inevitáveis consequências.
*Jacir J. Venturi, membro do Conselho Estadual de Educação do Paraná, foi professor e gestor de escolas públicas e privadas, da UFPR, PUCPR e Universidade Positivo.