Estudo do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT) aponta que, desde a promulgação da Constituição Federal, em 1988, até o ano passado, foram editadas no Brasil mais de 7,129 milhões de normas. O número representa, em média, 575 normas editadas todos os dias ou 829 normas editadas por dia útil. E, desse montante, 466.561 são normas tributárias federais, estaduais e municipais.
Analisando os dados, chega-se à conclusão que a cada dia útil foram editadas 54 normas tributárias ou 2,26 a cada hora, em média, no país. A partir daí, imagine quanto custa para os setores produtivos e governamental se adequarem, cumprirem ou fiscalizarem todo esse processo tributário. A situação é tão grave que no ranking de competitividade mundial, onde 190 países são medidos a partir de indicadores como esse, o Brasil está na posição de número 184. É por isso que a Reforma Tributária é tão urgente e esperada, mas ao mesmo tempo tão difícil de ser implantada.
Para entender um pouco mais sobre a proposta da PEC-45/2019 (PEC da Reforma Tributária) que deverá ser votada nos próximos dias, em Brasília, entrevistamos esta semana o único representante de Mato Grosso do Sul no Grupo Operacional da Reforma Tributária no Ministério da Fazenda, o especialista em tributação Daniel Pereira Carvalho.
Há quanto tempo esse grupo foi criado e como funcionam os trabalhos, desde a coordenação até os objetivos práticos?
DANIEL CARVALHO: Esse grupo é coordenado pela Secretaria Especial da Reforma Tributária, no âmbito do Ministério da Fazenda, pelo secretário Bernard Appy. O grupo compreende representantes do Governo Federal, são cinco membros da Receita Federal; representantes dos Estados, são mais cinco membros das Secretarias de Fazenda dos Estados, indicados pelo Consefaz, que é o Conselho de Secretarias de Fazenda, com representantes das cinco regiões do país. Sendo a mim designado para representar os estados da região Centro-Oeste nesse grupo de trabalho que foi criado neste ano, quando o ministro Fernando Haddad (Fazenda) encampou a ideia da reforma, junto com o presidente da Câmara, Arthur Lira. A ideia é que esse grupo vá até a edição da emenda, da lei complementar, prevista para o segundo semestre de 2024. Então, até dezembro de 2024, a gente deve estar trabalhando bastante na formulação, na definição dos aspectos operacionais desse novo imposto, o IVA, no sentido de subsidiar os aspectos técnicos e operacionais de como será o funcionamento, na prática, desses novos tributos. Do IVA, chamado IVA Dual, que compreende uma contribuição sob gestão da União, e um imposto de bens e serviços de competência de estados e municípios. Então, o objetivo desse grupo é subsidiar a formulação, tanto no aspecto da Emenda Constitucional, quanto na estruturação da Lei Complementar. Precisamos estabelecer esse regramento e é nesse grupo que fazemos as discussões.
E vocês têm conversado também com a nossa bancada federal, com o governador para tratar das preocupações, dos pontos sensíveis ao nosso estado?
DANIEL CARVALHO: Basicamente, esse grupo subsidia os estudos técnicos do grupo de trabalho estabelecido pelo deputado Agnaldo Ribeiro (relator da PEC-45/2019), juntamente aos deputados que compõem essa comissão na Câmara. E a gente tem levado essa discussão também aos deputados da nossa bancada, ao deputado Beto Pereira, ao deputado Vander Loubet, que é o coordenador da bancada. Inclusive, estive com ele nesta semana, em Brasília, discutindo alguns aspectos do nosso estado. O governador Eduardo Riedel, ele já apontou alguns pontos que precisam ser ajustados na reforma no sentido de mitigar um pouco as perdas que o estado terá. Mas já sinalizou que apoia a reforma justamente pelos benefícios que ela traz no longo prazo. Então, a gente está muito confiante de avançar essa reforma porque a gente tem participado ativamente desse trabalho e enxerga claramente os benefícios para a sociedade.
A audiência pública realizada no legislativo estadual concluiu que a proposta da reforma se trata de uma grande declaração de princípios e intenções, porque grande parte das mudanças depende de uma lei complementar e isso não foi detalhado até agora. Como é que o grupo operacional, vêem isso?
DANIEL CARVALHO: Esse é um ponto de preocupação, de fato, por conta exatamente da segurança jurídica que uma emenda constitucional traz nos aspectos definidores desse novo tributo. E existem princípios muito específicos Muda-se bastante a forma de tributação atual, tanto do ISS e do ICMS, para esse novo IVA dual, onde a tributação se dará no destino. Então, aspectos como o que se considera destino para efeito da tributação desse novo IVA, está previsto em lei complementar. E são aspectos que impactam diretamente na arrecadação do ente tributante. Ter esses aspectos todos previstos na emenda constitucional, traz mais segurança jurídica ao ente tributante quanto ao consumidor final em saber exatamente a regra definidora dos aspectos da tributação. Realmente isso ficou para a emenda constitucional definir esses aspectos operacionais desses novos tributos.
Mato Grosso do Sul não tem uma larga base industrial, como outros estados têm, e implantou uma política e incentivos fiscais para atrair indústrias. Como fica essa situação diante dessa proposta de tributação no destino, no consumo final?
DANIEL CARVALHO: Essa é uma discussão bastante grande e intensa. Realmente, o conceito desse novo IBS, CBS, desse novo IVA, consiste, e essa é uma premissa, na tributação do consumo. Então, aqueles estados que não são tão populosos como o nosso, obviamente terão uma perda na arrecadação porque, atualmente, pela regra, a tributação é repartida entre os entes. O ente produtor, vendedor e o ente consumidor. E como nossa matriz, hoje, tributária está muito calculada em cima do processo de industrialização que o estado vem experimentando, obviamente esse impacto direto da arrecadação do setor produtivo não será impactada em termos de arrecadação para o estado. O aspecto interessante é que, com o processo de industrialização, a ideia é que se tenha uma ampliação na população mesmo, no incremento populacional por conta da atração de empregos e tenhamos um impacto aí. É importante frisar que, na verdade, a extinção do ICMS traz, no bojo desse novo IVA, uma ampliação do campo de incidência do imposto. Ou seja, eu tenho novos serviços hoje que não são tributados pelo ICMS que entram no campo de incidência desse novo IVA para ampliação da arrecadação do estado. Importante frisar que existe na própria PEC uma regra de transição que preserva esse aspecto, existe uma transição com relação aos impactos na receita dos estados ao longo de 40 anos. E eu acrescento que, quando a gente passa a enxergar esse novo IVA, ele traz toda uma base de novos contribuintes, de novas atividades que, até então, não estavam no bojo da arrecadação, que passa a ser tributada. Uma tributação muito clara, muito transparente, porque, no conceito desse novo imposto, o contribuinte, o consumidor, vão ter claramente, lá no documento fiscal, o valor efetivo que está sendo cobrado dele a título desse novo IVA. Como é feito em diversos países modernos.
A proposta também concentra essa arrecadação no Conselho Federativo que deve ser criado. Isso não tira a autonomia dos municípios, dos estados?
DANIEL CARVALHO: A ideia desse Conselho Federativo é evitar exatamente essa pulverização de normas tributárias em mais de 5 mil municípios, em mais de 27 estados, com uma produção normativa exagerada, que ninguém consegue cumprir, ninguém sabe ao final do mês quanto tem que pagar de imposto, o ente públicoi não sabe o quanto vai arrecadar, porque a regra é muito nebulosa. O Conselho Federativo vai unificar a normatização e também a discussão administrativa relativa à cobrança desse novo tributo. Então, a edição de norma, a concessão de benefício sempre será tratada no âmbito do conselho, buscando uma uniformidade e uma aplicação em todo o território nacional com regras específicas. Lembrando que na proposta desse novo IVA, dentro da fatia do IVA destinado ao município, o município vai definir unicamente a alíquota aplicada ao seu município. Ficando, então, toda a regra tributária, todo o cumprimento da obrigação acessória a cargo da definição pelo Conselho Federativo. A proposta da reforma é trazer uma simplificação. Isso é uma premissa fundamental dessa reforma. E o mecanismo para buscar essa uniformidade é por meio de uma entidade pluriparticipativa, com representação tanto dos 27 estados quanto de todos os municípios. Com a preservação da autonomia, o conselho também fará a distribuição destinada a cada estado e a cada município, é no sentido de preservar a regra tributária estabelecida pela lei complementar e também estabelecida na PEC, na emenda constitucional.
Esse conselho não pode causar, por exemplo, o enfraquecimento dos fiscos municipais e estaduais? Existe esse risco?
DANIEL CARVALHO: De forma alguma, estou bem tranquilo em afirmar que preserva-se-a totalmente a competência de cada ente. Seja ele dos estados, esses municípios e também da União, no que tange à fiscalização, à premissa de poder fiscalizar efetivamente os contribuintes que estão dentro do seu campo de atuação, dentro do seu município, dentro do seu território. E aqui tem um conceito muito interessante, porque esse Conselho Federativo é um conselho gerido e administrado pelos estados e municípios, basicamente. Então, o recurso não entra no cofre da União para ser repassado aos estados. Esse conselho vai ter uma personalidade jurídica própria.