A mineradora Vale não implantou em Mato Grosso do Sul processos mais avançados na cadeia de exploração do minério e deixará o Estado sem legado no campo tecnológico. Os ativos da empresa foram vendidos para a J&F Investimentos Ltda por US$ 1,2 bilhão nesta quarta-feira (6). A Vale era, até então, a principal exploradora das reservas no Estado. Os setores mais desenvolvidos da mineradora ficaram concentrados em Minas Gerais.
O monopólio da companhia começou em 2009, quando comprou a anglo-australiana Rio Tinto por US$ 750 milhões na época. A concorrente atuava na região também desde a década de 1970. A Rio Tinto, então maior exploradora das reservas, tinha a missão de tornar Corumbá um pólo de siderurgia, seguindo no compasso de uma política de Estado a partir de 2002.
Esse período que houve a negociação entre a Vale e a Rio Tinto, o preço do preços do produto estavam em processo de elevação, por isso mesmo também exisita uma política de agregar valor. O Instituto Brasileiro de Mineração (IBRAM) apontou que em 2003, o minério de ferro custava pouco mais de US$ 20 por tonelada e alcançou US$ 140 a tonelada em 2008. Hoje está em cerca de US$ 160.
Nesse período de majoração de preços, devido ao crescimento da China e geração de demanda, a Rio Tinto recebeu incentivos para desenvolver o pólo de siderurgia em Corumbá, mas não emplacou o projeto. A Vale assumiu as operações em 2009 e mesmo com elevação do valor do minério de ferro no ano seguinte, o plano de industrializar a extração acabou não saindo do papel com ela também
“Em 2009, a Vale adquiriu a mina da MCR (Mineração Corumbaense Reunidas) do Grupo Rio Tinto, começando a sexta fase do desenvolvimento da atividade mineral em Corumbá, um período de monopólio da produção mineral, em que a Vale detém cerca de 90% da produção, através de suas empresas, a Urucum Mineração e a MCR”, explicou Naman de Moura Brito, mestre em geografia pela Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD).
O pesquisador citou as deficiências que as empresas não conseguiram suplantar. “Uma soma de fatores como questão energética, política e estrangulamentos em infraestruturas de transportes foram inibidores da efetivação do projeto (de um pólo siderúrgico em Corumbá)”, identificou Brito, que realizou trabalho acadêmico para abordar a mineração em Corumbá chamado de “Desenvolvimento econômico e mineração: uma abordagem da atividade em Corumbá, MS”.
Os gargalos continuam na região e agora a Vale passara para um nova empresa esse cenário de falta de desenvolvimento no sistema de transporte para escoamento do material da exploração.
“O planejamento de território requer a integração local e regional, para criar as condições de competitividade e desenvolvimento. Nesse sentido, os transportes representam, para a atividade mineral de Corumbá, nós de estrangulamento, restringindo agregação de valor à matéria-prima e impedindo a produção local de participar de outros mercados consumidores. O principal problema da mineração em Corumbá é o escoamento, de sorte que a proposta de maior aproveitamento de sua produção e de superação do estágio de exportador de matéria-prima requer a implantação de uma série de investimentos na infraestrutura”, resumiu o pesquisador.
A compradora dos ativos já atua em diferentes setores de Mato Grosso do Sul. Por meio da JBS a empresa está na área de proteína animal. Ainda detém a Eldorado, gigante do setor de produção de celulose, localizada em Três Lagoas.
A J&F Investimentos Ltda., que é controlada pela J&F Investimentos S.A, adquiriu a Mineração Corumbaense Reunida S.A, Mineração Mato Grosso S.A, International Iron Company, Inc.; e Transbarge Navegación Sociedad Anónima. Esse pacote transfere os direitos de exploração de minério de ferro, minério de manganês e a logística no Sistema Centro-Oeste. Os atuais contratos vigentes no modelo take-or-pay também foram incorporados à negociação.
“Pelos termos acordados, o enterprise value da transação é de cerca de US$ 1,2 bilhão para um conjunto de ativos que contribuiu com US$ 110 milhões de EBITDA ajustado para a Vale em 2021. No fechamento da transação, a Vale receberá cerca de US$ 150 milhões, além de transferir ao comprador as obrigações relacionadas aos contratos logísticos de take-or-pay, sujeito à anuência das contrapartes aplicáveis, e demais passivos existentes no conjunto de ativos das referidas sociedades”, informou a nota da Vale.
O comunicado ainda detalhou que faltam aprovações de órgãos federais para que a transação seja efetivada por completo. “O Comprador também assumirá as operações com todos os funcionários do conjunto de ativos. A conclusão da transação está sujeita ao cumprimento das condições precedentes usuais, incluindo a aprovação do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (ANTAQ), do Conselho de Defesa Nacional (CDN) e demais autoridades regulatórias competentes”.
A decisão em vender os ativos em Corumbá, conforme apurado, está na análise de mercado que a empresa fez diante do custo de escoamento da produção e as dificuldades encontradas para a exportação, principalmente devido à estiagem e impedimento da navegação comercial pelo rio Paraguai. Esse problema está arrastando-se por quatro anos, a serem completados agora em 2022. Além disso, a previsão que a seca perdure até 2024.
A exploração de minério no Pantanal, pela Vale, é responsável pela geração de 1 mil empregos diretos, além dos indiretos. Além disso, ela gera mais de R$ 90 milhões ao ano de arrecadação, tanto para a Prefeitura de Corumbá como para o Estado de Mato Grosso do Sul, por meio do pagamento da Compensação Financeira da Exploração de Recursos Naturais (Cfem).
As minas em Corumbá estão longe de serem as mais rentáveis para a empresa. O Sistema Centro-Oeste é o que tem o menor volume em extração de minério de ferro diante das outras unidades. Relatório trimestral apontou que 795 mil toneladas foram obtidas em Corumbá, contra 50 milhões no Sistema Norte; 18,6 milhões no Sistema Sudeste; e 12,9 milhões no Sistema Sul.