Oeconomista e ex-presidente do Banco Central do Brasil, Gustavo Loyola, encerrou, na última semana, em Campo Grande, o maior ciclo de palestras corportativas já realizado em Mato Grosso do Sul, promovido pelo Grupo RCN. Nossa reportagem conversou com o especialista sobre o momento de incerteza quanto ao futuro da economia brasileira, o que tem levado preocupação à uma parcela da sociedade, principalmente aos representantes do setor produtivo. Loyola esteve à frente do BC por dois mandatos e conhece bem o comportamento do mercado econômico.
Hoje a economia verde é o que se busca no mundo. O Brasil e, em especial, o estado de Mato Grosso do Sul levam vantagem nesse assunto. Dentro desse tema, qual o caminho, a curto e médio prazos, para se manter o crescimento e a geração de renda para a população?
GUSTAVO LOYOLA – A economia verde é uma grande oportunidade para o Brasil. Nós temos recursos abundantes que permitem que a gente possa ser um grande ‘player’ nesse mercado. A gente tem fontes de energia limpa que podem ajudar muito em toda essa agenda da COP 26 e COP 27, que é uma agenda de redução do uso de combustíveis fósseis. E nós temos bastante vocação nesse setor. O importante é que a gente tenha políticas públicas que cuidem do meio ambiente, políticas sustentáveis e que cuidem também, obviamente, das populações mais carentes. Cabe aos governos ter essas políticas inclusivas, que levem os benefícios da economia verde à todos.
Falando em sustentabilidade, como o senhor vê, pela primeira vez na história, um brasileiro à frente do Banco Interamericano de Desenvolvimento, o Ilan Goldfajn? O banco vem, cada vez mais trabalhando nesse sentido da economia verde, da redução da poluição. O senhor acredita que as agendas ligadas ao desenvolvimento sustentável serão prioridade na gestão dele?
GUSTAVO LOYOLA – Sem dúvida é um momento importante para o Brasil e para o BID. Um banco que foi criado lá em 1960, que resultou da chamada operação Panamericana, idealizada pelo presidente Juscelino Kubitschek, à época, e o Brasil nunca havia ocupado uma função dessa, de presidência do banco. Então, eu acho que foi um grande momento. E a própria escolha do Ilan, que é um economista extremamente competente, tem experiência em gestão pública e em mecanismos internacionais, ele vai ajudar muito em garantir recursos para o banco. Desde o início da criação do banco se falava em desenvolvimento sustentável para a América Latina, mas nasceu com mais vocação para financiamento de infraestrutura e, agora, com toda essa agenda voltada para o ambiental, o Brasil tem várias oportunidades em que o banco pode trazer recursos para ajudar nesse processo de maior sustentabilidade. Um setor que ainda precisa de recursos é o do saneamento básico. Nós ainda temos milhares de famílias sem acesso à água tratada ou à rede de esgoto no país. Outra coisa é a questão dos lixões, nos municípios. Há várias questões em que o BID pode ajudar o país nesse desenvolvimento.
Aqui em Mato Grosso do Sul temos hoje grandes empresas em atividade e em implantação com projeção de investimentos bilionários a curto prazo. Até que ponto, esses empreendimentos tornam o estado um oásis para a geração de renda, na sua opinião?
GUSTAVO LOYOLA – Os investimentos precisam acompanhar a vocação econômica de Mato Grosso do Sul e atrair segmentos que vão impulsionar esse setor. Outro aspecto importante do desenvolvimento da economia regional são os investimentos em infraestrutura e a pesquisa, que precisa ser custeada para acelerar todo esse processo.
Sabemos que o Brasil precisa passar por uma grande reforma tributária e por uma revisão nos gastos públicos do governo. Esses seriam os maiores desafios hoje do país?
GUSTAVO LOYOLA – O grande desafio para o Brasil é sair daquilo que nós economistas chamamos de ‘armadilha da renda média’, que vem da dificuldade que os países têm de passar de um nível de renda per capita média – onde o Brasil se situa, para um estágio superior de renda e de distribuição de renda entre sua população. A chave para fazer esse salto é o crescimento da produtividade. Nós precisamos ter no país políticas que afetem positivamente a produtividade. Quais são? Basicamente, reformas globais e também microeconômicas. É aí que entra a importância das reformas tributária e dos gastos públicos. Isso deveria ser uma prioridade.
O risco de uma hiperinflação ainda existe no país?
GUSTAVO LOYOLA – O risco hoje é muito remoto. Em 2023 o índice deve, inclusive, ficar abaixo do índice deste ano. A inflação no Brasil vai voltar a ficar nos trilhos. Mas desde que haja uma política fiscal responsável. Me preocupa aí essa PEC da Transição que é muito permissiva, muito aberta e sinaliza para um gasto público muito forte nos próximos anos, o que não agradou ao mercado e não me agradou também. É possível financiar todo esse problema social com um ‘extra teto’ de 60 a 70 bilhões de reais e não esse montante que está aí na PEC. A forma original leva para à irresponsabilidade fiscal. Ela abre um espaço muito grande no orçamento. Acho que é irresponsável. Entendo que a PEC da Transição é necessária, mas o que deveria ocorrer é uma proposta bem mais modesta e concentrada em 2023, enquanto o governo toma outras providências obre o teto ou outro esquema de controle fiscal a partir do ano de 2024. Ou seja, uma transição mesmo, e não uma transição no sentido do descontrole fiscal. Dito isto, eu vejo que o Banco Central tem um controle firme da inflação, só precisa ser ajudado por uma política fiscal.
Nesse cenário, a taxa de juros oficial, a Selic que está acima dos 13%, como deve ficar?
GUSTAVO LOYOLA – A meu ver a taxa Selic começa a cair gradualmente a partir de meados do ano que vem. A principal hipótese por trás desse processo é que essa PEC da Transição não vai ser vista como desestabilizadora do ponto de vista fiscal, como sendo algo que possa colocar a trajetória da dívida pública num terreno perigoso. Então, se nós tivermos um mínimo de política fiscal responsável no ano que vem, mais o que o Banco Central já fez, a inflação tende a cair. E, quando chegar em meados do ano que vem, o Banco Central já vai estar mirando para 2024, para as expectativas de inflação para 2024. Eu acredito que dentro desse contexto, as expectativas vão estar mais próximas da meta e o BC vai reduzir as taxas de juros.
Como o senhor analisa a questão do subsídio e do tabelamento do preço dos combustíveis? Qual seria a alternativa diante de uma população com a renda em queda?
GUSTAVO LOYOLA – Eu sou contra subsídio. Acho que distorce a demanda, que não é por aí. Acredito que a questão da renda precisa ser resolvida com emprego e transferência monetária para as famílias que não tem condições. Sou contra subsídios para certos grupos da economia. Agora, o Brasil precisa investir mais em ferrovias. Se você barateia muito o combustível, desincentiva isso. No contexto da sustentabilidade, não há justificativa para se incentivar o consumo de combustível fóssil. Há uma série de aspectos que precisam ser considerados. A medida de reduzir impostos pode ter sido positiva, mas causou outro problema pois reduziu a receita de estados e municípios, de recursos que estavam sendo alocados em setores importantes.