Pôr ordem na sala de aula. Prática comum de um professor, mas não bem aceita por estudantes que reagem com agressões físicas contra quem tem apenas um giz na mão. E é isso o que tem levado educadores a desistirem de dar aulas ou serem afastados do trabalho por depressão ou estresse. O cenário fez parte da vida da professora Priscilla Garcia, de 34 anos, agredida por um aluno de apenas 12, do ensino fundamental, em uma escola pública de Três Lagoas. “Eu estava apenas corrigindo, chamando a atenção para o que eu ensinava – o que é minha função -, quando ele [aluno] puxou meu braço, me deu um apertão, que ficou muito bem marcado. E isso na frente de outros estudantes”, contou.
A professora disse que o aluno ainda fez ameaças caso registrasse boletim de ocorrência ou relatasse a situação para a diretoria: “meu pai é da ‘quebrada’, toma cuidado”. Priscilla faz parte da lista de 40 professores que pediram afastamento por tempo indeterminado do trabalho em escolas do Estado e do município, em 2018. Agora, quando mais de 25 mil alunos retornaram para as aulas, estes educadores estão fazendo tratamento psicológico ou desviados da função.
A vida de Priscilla mudou há um ano, com um diagnóstico de depressão, tratada com vários remédios por dia, além de diabete. Ela deu aulas por 12 anos, mas não resistiu. Tentou por três vezes voltar a trabalhar. A licença médica foi renovada no início do ano.
“Antes de adoecer eu lecionava em três períodos. Depois, dois, um e não consegui mais. É muito difícil. Falta respeito, há bagunça e nem os pais nos respeitam. Sempre fui muito ativa, me doava e percebi que não estava mais oferecendo tudo o que queria”, desabafou. Priscilla relata que foi vítima de agressões verbais apenas por passar tarefas ou cobrá-las de alunos.
“É muita ofensa desnecessária. Chegou uma hora que me questionei: o que estou fazendo aqui? Muitos alunos chegam à escola com diversos problemas em casa, sem limites. Alguns pais acham que nós temos que resolver muitas questões que compete a eles”, observou.
Afastado há três anos das salas de aula por estresse, o professor Edinaldo Pelição, de 54 anos, buscou uma readaptação para outro setor da escola e não quer voltar a lecionar. O estado emocional, segundo ele, estava tão abalado, que chegou a refletir dentro de casa, com a esposa e filho, além de quase agredir fisicamente um estudante ao ser desrespeitado.
“Eu já estava a ponto de explodir. Poderia ter batido no aluno e agravado ainda mais a situação. Graças a Deus não fiz. Isso ocorreu quando os estudantes formavam fila para o lanche da escola. Ele foi malcriado e fiquei muito irado”, disse.
Salas tem 35 alunos – uma das causas do problema
Uma sala de aula da rede pública de ensino tem, em média, 35 alunos. Número quase ao equivalente de professores que pediram afastamento (40) por desencadeamento de transtornos mentais graves do tipo depressão, transtorno bipolar, crises de ansiedade e síndrome do pânico. Dentre estes, o mais grave é a depressão.
De acordo com o Sindicato dos Trabalhadores em Educação (Sinted), problemas nas cordas vocais e as dores musculares também ganham espaço nos pedidos de licença médica.
O desafio é diário e a saúde pode não resistir. A depressão precisa ser diagnosticada por um profissional, a princípio por um psicólogo que ao constatar como um quadro grave encaminhará para um psiquiatra. “Não há um projeto de prevenção ou uma equipe multidisciplinar que poderia estar atendendo, ajudando. A prevenção então é buscando melhorias na qualidade e na valorização do professor”, destacou a presidente do sindicato, Maria Laura Castro.
JORNADA
Ela pontua ainda a jornada do professor que é de 20 horas/aula e de 40 horas/aula. “O trabalho do professor é exaustivo, requer muito esforço mental e físico. Ele leva trabalho para casa, é uma constante de emoções. Além do que são muitos alunos em sala de aula para um único professor. Fora a elaboração de provas, correção, planejamentos de aulas. Junta tudo isso com as agressão moral e física, então é muito desgastante”, considerou a sindicalista.
Atualmente Três Lagoas possui 1.600 professores, em média, entre concursados e contratados dentro das escolas municipais, Centros de Educação Infantil (Ceis) da prefeitura e escolas estaduais. Ao todo, eles dão aulas para 20 mil estudantes das séries iniciais, ensino fundamental e médio, segundo dados do Estado.
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