Morar em condomínio é uma opção cada vez mais popular, mas nem sempre é fácil conviver em coletividade. Conflitos entre moradores são comuns, e podem ser causados por diversos fatores como barulho, presença de animais, desrespeito às vagas nas garagens, vazamentos de água, inadimplência, taxas extras, entre outros. Em Campo Grande estima-se que existam mais de 2 mil condomínios.
A reportagem do Grupo RCN procurou a Comissão de Direito Condominial da OAB/MS para entender melhor esse complexo relacionamento. O advogado Alex Garcez, explica que, muitas vezes, faltam tolerância e empatia entre os vizinhos. Uma das situações comuns de conflitos entre moradores, citado por Garcez, é quando uma família tem um criança autista ou um bebê, que por vezes, chora e grita. Um momento delicado que precisa ser respeitado.
Qual o principal desafio na relação entre os condôminos?
Alex Garcez – O maior desafio relacionado ao condomínio é a convivência. As pessoas acabam não respeitando regras, ultrapassando os seus limites, e isso afeta diretamente os demais moradores daquele condomínio. E muitos acreditam que o direito individual sobrepõe aos demais e não respeitam horário, não respeitam decisões que foram tomadas em assembleia, pelo coletivo. E isso afeta diretamente a todos que residem no mesmo local.
A própria infraestrutura do condomínio pode facilitar ou dificultar essa convivência. Isso é um fator agravante nessa relação?
Alex Garcez – Com toda certeza. Todas as cidades, e principalmente as capitais, estão tendo um aumento relacionado ao condomínio. Cada vez mais as pessoas têm buscado morar em condomínio. Isso se deve pela questão da segurança ou pela questão do preço, é mais barato você morar em um apartamento do que você morar em uma casa, hoje em dia. E, muitas vezes, elas nunca moraram em condomínio antes e não se adaptam, nâo conseguem respeitar as regras.
Normalmente, os empreendimentos novos não têm uma boa acústica o que reflete no bem estar. Por exemplo, as pessoas andam com calçados que fazem barulho, como os de salto, durante a noite no apartamento. Outras vezes, elas trabalham o dia inteiro e estudam à noite, e quando chegam, querem ligar a máquina de lavar roupas durante a madrugada. E dentro do condomínio temos desde bebês a pessoas de idade. São hábitos e rotinas diferentes. E essa é a principal dificuldade que o síndico enfrenta para conseguir harmonia dentro do condomínio. Hoje está muito em discussão sobre as crianças autistas, e isso entra na questão da empatia. Os moradores precisam entender que a criança autista, por exemplo, tem dificuldade na hora de tomar banho. Essa é a situação que precisa ser colocada e os vizinhos precisam entender. Se está com um filho pequeno, é uma situação, que entende-se, temporária, não tem como a gente controlar um choro de um bebê, e não tem hora para isso acontecer.
Quais são os maiores problemas enfrentados nos condomínios?
Alex Garcez – A gente fala que são os cinco C’s: criança, cachorro, cano, calote e carro. Um estudo aponta que Campo Grande tem mais de 600 mil veículos. Ou seja, para cada três pessoas existem dois veículos, e isso traz um grande problema relacionado aos condomínios. Normalmente, cada morador tem uma única vaga de garagem, e as pessoas acabam não respeitando isso. Existe uma vaga de visitante e, aí, ela utiliza aquela vaga de forma particular, privativa para estacionar o seu segundo veículo, e isso já começa a gerar conflito. Aqui na capital vemos que o pessoal gosta muito de caminhonete, e os condomínios aqui são feitos para vagas de carros de passeio. E esses veículos maiores ultrapassam o limite da vaga, dificultam as manobras e até o vizinho de entrar no veículo ao lado. Isso é causa até de acidentes dentro do condomínio. E há uma outra situação, que as pessoas querem que o condomínio seja responsável pela reparação do seu veículo. E o condomínio não é responsável quando existe um acidente entre dois moradores.
Quando acontece aquela “encostadinha” em outro carro, o condomínio não entra de fato nesta negociação?
Alex Garcez – Não, ele não é responsável. Existem alguns limites que os moradores acabam não tendo conhecimento. Ou numa eventualidade eles acabam desconsiderando esse fato. Por exemplo, quando se fala de roubo ou furto dentro do condomínio, a pessoa vem a perder um celular numa área comum do condomínio, não é responsabilidade do condomínio. Mas muitas pessoas querem terceirizar essa responsabilidade. Se existe uma colisão, é a mesma coisa que acontecer uma colisão na rua, os envolvidos precisam se acertar.
E se o furto/roubo acontecer dentro do imóvel, a responsabilidade é de quem?
Alex Garcez – Entra no campo que pode ser chamado de exceção. Geralmente, se houve uma falha comprovada, por exemplo se o porteiro dormiu e deixou o portão aberto e aí entrou uma pessoa, nesse caso o condomínio pode eventualmente ser responsabilizado. Mas na maioria dos casos não é. Por quê? Pequenos furtos pode ser alguém do âmbito condominial. Pode ser uma pessoa que adentrou o condomínio pulando o muro, então são situações que fogem da alçada do condomínio. A gente tem que entender que condomínio é todo mundo. Se os moradores tiverem que começar a se responsabilizar por qualquer objeto que some, mesmo que seja furto, imagina todo mês a gente ter que fazer uma assembleia e falar para todos que vai ser feito um rateio de 10 mil porque foi furtada uma moto, que todo mundo tem que contribuir. Então, o condomínio tem essa falsa sensação de segurança. Os moradores precisam, sim, ter um pouco de zelo pra evitar que esses objetos sejam furtados.
E qual é a função do síndico?
Alex Garcez – Condomínio, por lei, é gerido pelo seu gestor, que é um síndico. O síndico, pelo Código Civil, ele pode ser morador ou não. E, com essa questão de não ser morador, começaram a surgir as empresas, pessoas que são denominadas síndicos profissionais. Essas pessoas normalmente tem um CNPJ, e se candidatam a esse cargo. É um cargo eletivo e ele tem ali a duração limite de dois anos. Acontece que, muitos condomínios pequenos não têm alguém que tenha tempo suficiente para gerir. E o síndico tem muitas responsabilidades. Por isso, é importante que, às vezes, o condomínio seja assistido por um profissional.
Qual a importância de ter dentro do direito uma área específica abordando o direito condominial?
Alex Garcez – Existem pesquisas que apontam que um terço da população brasileira vive em condomínios. Até as leis são pensadas mais nisso, agora, mais nessa coletividade. Muitos juízes que antigamente não moravam em condomínio, tem decisões hoje que são um pouco mais afetuosas, relacionadas a entender essa questão. Antigamente existiam várias decisões sobre proibir pets, e agora você já não pode proibir porque o animal de estimação é um ente familiar, ele é um membro da família.