RÁDIOS
Três Lagoas, 16 de setembro

Bloqueio de plataforma pode mudar o comportamento de usuários na internet

Suspensão da rede X impacta na economia, em discussões políticas e sociais, e levanta questões sobre a liberdade digital para o futuro

Por Fernando de Carvalho
08/09/2024 • 17h10
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A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que determinou o bloqueio da rede social X (antigo Twitter) no país afetou mais de 21 milhões de usuários do aplicativo.  O presidente da Comissão de Direito Digital e Startup da OAB/MS, Raphael Rios Chaia, explica que, ao contrário do que se imagina, há um grande impacto econômico a partir dessa proibição do uso da plataforma no Brasil. 

Qual é o tamanho desse impacto do bloqueio da rede social X sob o olhar econômico?  

Raphael Chaia As pessoas muitas vezes pensam que ‘é só uma rede social, é só diversão, é só um serviço a menos’. Mas não é tão simples assim. Hoje você tem muitas atividades econômicas que dependem diretamente da plataforma. Por exemplo, as pessoas que trabalham com Youtube, impulsionamento de posts, etc. A plataforma X é um dos poucos espaços, senão o único espaço, onde o Google publica as atualizações do algoritmo do YouTube. Então, quem trabalha com produção de conteúdo, teve um canal de comunicação extremamente importante fechado. Outra coisa, o X sempre foi uma plataforma extremamente eficaz para o consumidor entrar em contato com as empresas. Quando havia um problema com uma operadora de telefonia, um problema com um banco, um problema com uma loja, ao invés de usar o SAC tradicional, as pessoas muitas vezes procuravam as empresas pela rede social e tinham respostas muito mais rápidas. Fora a influência e alcance que a plataforma tem nas discussões relacionadas à gestão pública e política que nós já vivenciamos desde períodos como o da Primavera Árabe em 2011. Então o X, ou o antigo Twitter, já representava aquela praça pública em que as pessoas se reuniam para poder trazer suas ideias, debates, às vezes até de forma mais acalorada, mas extremamente engajada. 

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Os usuários também ficaram proibidos de acessar a rede social atráves de uma rede privada, que são os VPNs. Como essa ferramenta funciona? 

Raphael Chaia A VPN é uma ferramenta de segurança, uma rede virtual privada que permite a proteção da conexão do usuário, muitas vezes até mesmo colocando um novo IP, um novo endereço de conexão, para que ele possa acessar a internet de forma segura. Ou seja, a VPN evita rastreamentos, capturas de dados indesejadas. Hoje, empresas, escritórios, muitos trabalham com VPN exatamente por ser uma ferramenta de segurança. E o seu uso no Brasil é absolutamente legal. Não há nada de errado em se utilizar uma VPN.  Mas, mesmo que você nunca tenha cometido um crime na internet na sua vida, o simples fato de você acessar a plataforma X usando uma VPN já caracteriza uma sanção punível com uma multa de 50 mil reais por dia, conforme a decisão do STF.

Existe infraestrutura para verificar e checar essa quantidade de VPNs, caso sejam acessadas pelos usuários do X? 

Raphael Chaia Estima-se que 36% dos brasileiros usem VPNs. É um número relativamente alto. Estamos falando de mais de 70 milhões de brasileiros. E as VPNs, via de regra, não registram acessos, não mantêm acessos registrados e possuem sede fora do Brasil. Elas trabalham com criptografia de ponta a ponta. São centenas de empresas que trabalham com VPN hoje no mundo, e todas teriam que ser oficiadas. E mesmo que houvesse acesso à informação, a informação estaria criptografada, o que sem uma chave de decriptação você não consegue acessar. Ou seja, existem alguns aspectos inexequíveis nessa decisão. Por isso é muito difícil fazer esse monitoramento, mas a pessoa pode produzir prova contra ela mesma, se ela utilizar a VPN pra acessar e realizar ações na plataforma.  

Existem outras empresas sem representação legal que atuam no país? 

Raphael Chaia Existem. O artigo 1.138 do Código Civil determina que  a empresa estrangeira tenha um representante no Brasil. Só que o Código Civil é de 2002, uma época em que a gente ainda estava fazendo a transição da Web 1 para Web como serviço, e ninguém vislumbrava a existência de provedores de aplicação. Não existia isso nessa época. Muitos juristas falam que essa regra do 1.138 não é absoluta, ela é relativa. E tem muitas empresas no Brasil sem representante legal no nosso território. Por exemplo, quando o X foi bloqueado, o pessoal migrou em massa para uma plataforma parecida, que é a Bluesky. A Bluesky, inclusive, foi fundada pelo criador do Twitter e ex-funcionários do Twitter. O Bluesky recebeu 2 milhões de usuários brasileiros na última semana, e essa rede social não tem representação no Brasil, não possui escritório no Brasil. A Blaze, que é uma plataforma de apostas, até onde eu apurei, não tem representação no Brasil. Muitas empresas que comercializam VPN em território nacional não possuem representação no Brasil. Nós temos centenas de empresas que atuam no Brasil e que não possuem representação em território nacional. Se eu for seguir de forma absoluta a regra do 1.138,  vamos bloquear metade da internet, como a gente conhece. 

E como será o futuro das redes sociais com esse bloqueio do X?

Raphael Chaia Há três impactos que posso destacar. O primeiro diz respeito ao próprio comportamento do usuário. Se você começa a criar ambientes muito fechados para o usuário, você não vai controlar o comportamento do usuário. O máximo que você consegue fazer é empurrar o usuário para anonimização e clandestinidade. Prova disso é que nas primeiras 24 horas após o bloqueio do X, a procura por VPN no Brasil aumentou 1.600%. O segundo efeito que a gente nota é que vamos ter provedores que basicamente vão seguir todas as determinações da justiça, sejam fundamentadas ou não, e vamos ter aqueles que vão questionar o fundamento legal dessas decisões. Quem questionar vai acabar bloqueado, quem não questionar vai continuar funcionando. O terceiro impacto, e esse talvez seja um dos mais interessantes, diz respeito à própria percepção que nós temos do marco civil da internet. O marco civil da internet determina que a internet tem que ser aberta, participativa, plural, diversa. Se eu começo a impor instrumentos de controle, posso estar comprometendo um pouco essa abertura, participação, pluralidade e diversidade da rede. Não existe liberdade sem responsabilidade. Mas a gente precisa pensar uma forma inteligente de buscar essa regulação com uma ampla discussão com a participação da sociedade. 

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