“Cometi o maior pecado que um homem pode cometer: não fui feliz.” Por muito tempo, essa frase pungente de Jorge Luís Borges (1899-1986) marcou como um sinete os meus anos. Assombra, mas mesmo às pessoas com fama e dinheiro, prevalece um axioma elementar: a felicidade contínua não existe.
A miopia dos nossos olhos faz com que enxerguemos pouco o humano dos famosos. E muitos se entregam à dependência química – um escapismo recorrente – por não suportarem a dor ou o infortúnio. Elvis Presley (42 anos), Marilyn Monroe (36 anos) e Michael Jackson (50 anos) foram vítimas dos medicamentos. Janis Joplin (27 anos), Jim Morrison (28 anos), após uma overdose de heroína. Kurt Cobain (27 anos), viciado em cocaína, suicidou-se com um rifle na estufa de sua casa.
A aceitação de que a tristeza e a alegria são amplamente democráticas é a suprema sabedoria. “Embora a vida não seja apenas dor, a experiência da dor é um dos sinais mais seguros da força da vida” – escreve apropriadamente Andrew Solomon, no livro O Demônio do Meio-Dia.
Felicidade e tristeza fazem parte de uma gangorra em movimentos alternantes. Educamos nossos filhos e alunos como se, no alto da gangorra, as alegrias tivessem moradia permanente. Mas todos sabemos que a vida adulta impõe reveses, perdas, frustrações, lutos. É o que nos faz crescer e são altas as taxas da escola-da-vida.
Ninguém com sanidade mediana imporá sofrimento com fins pedagógicos, do tipo: ele tem que aprender a sofrer desde pequeno. A criança ou o adolescente são merecedores do bem-estar material e emocional, mas à medida que os pais podem propiciar. Há de prevalecer o bom senso, para que os pais não se anulem e não se infelicitem. A renúncia excessiva em prol dos filhos, especialmente para gerar conforto e exibição, só faz perdedores.
Se existe a partilha do patrimônio físico pós-morte, por que não partilhar em vida, com os filhos, as dificuldades financeiras, os insucessos, as perdas, as desavenças do cotidiano? Poupar os nossos rebentos das pequenas frustrações é condená-los ao despreparo para quando chegarem à vida adulta.
A conquista da felicidade – especialmente através da comunicação midiática – tornou-se uma obsessão. Até mais: uma tirania. A aceitação de que a vida é feita de momentos alegres e tristes torna o fardo mais leve, pois querer escapar da dor é querer escapar da própria condição humana. “O que falta a muita gente para ser feliz é não ter sido infeliz” – faz-se oportuno o jornalista francês Emile de Gerardin (1806-1881).
O bem-estar de uma pessoa está intrinsecamente ligado ao esforço para manter uma boa qualidade de vida. No livro A Semente da Vitória, Nuno Cobra elenca três condições essenciais: 1) sono reparador; 2) alimentação saudável; 3) exercícios físicos regulares. Essa lista pode ser complementada com os bons relacionamentos (amar e ser amado), atividades intelectuais, momentos de lazer e a prática da solidariedade e da espiritualidade.
“Não há bem que nunca acabe e nem mal que sempre dure” – ensina a sabedoria popular. E quando o bom acaba, resta o consolo e a lembrança de que algo de bom tenha acontecido. Enfim, ser útil, ser produtivo, amar são valores essenciais e cabe a nós o esforço de aninhá-los no alto da gangorra. As palavras de Goethe (1740-1832) bem arrematam o nosso texto: “Uma vida inútil é uma morte prematura”.
Jacir J. Venturi, diretor de escola e autor do livro Da Sabedoria Clássica à Popular. Foi professor da UFPR e da PUCPR.