A lei federal que instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC) bem como o decreto federal que a regulamentou são omissos na atribuição da competência para definição dos limites da zona de amortecimento e, quando cabível, dos corredores ecológicos.
A zona de amortecimento é o entorno de uma unidade de conservação, onde as atividades humanas estão sujeitas a normas e restrições específicas, com o propósito aumentar a proteção ambiental destas áreas. Já os corredores ecológicos, ecossistemas naturais que ligam unidades de conservação, possibilitam a dispersão de espécies e recolonizam áreas degradadas.
A insegurança jurídica causada pela incerteza de quem deve delimitar a zona de amortecimento já motivou decisão liminar que suspendeu e restringiu a obtenção de licenciamentos ambientais por empreendimentos privados e públicos no entorno de unidades de conservação.
Esta indefinição entrava a elaboração dos planos de manejo das unidades de conservação já que a delimitação da zona de amortecimento é um dos itens do plano que fundamenta os objetivos de uma unidade de conservação. Ele ainda estabelece o zoneamento, as normas de uso dos recursos naturais, inclusive, as estruturas físicas necessárias a sua gestão.
Além da omissão da competência para delimitação da zona de amortecimento, ainda não foi estabelecido o roteiro metodológico básico para elaboração de planos de manejo de Área de Relevante Interesse Ecológico, previsto para ser estabelecido no decreto até agosto de 2002, ou seja, 180 dias contados de sua publicação. O documento é fundamental na elaboração dos planos de manejo, pois ele uniformiza conceitos, metodologias e diretrizes para o zoneamento.
A responsabilidade pelo estabelecimento dos roteiros metodológicos é dos órgãos executores do SNUC, dentre eles, na esfera federal, do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).
O descumprimento da lei do SNUC pelos órgãos responsáveis pela administração de unidades de conservação, cuja corresponsabilidade, no caso federal, é do ICMBio, quanto à elaboração de planos de manejo, também tem fundamentado ações civis públicas ajuizadas pelo Ministério Público.
Em que pese os 12 anos passados desde a publicação da lei que institui o SNUC, em julho de 2000, e que fixou o prazo de cinco anos para a elaboração dos planos de manejo e delimitação das zonas de amortecimento, diversas unidades continuam sem planos de manejo e sem zona de amortecimento fixada.
De acordo com o entendimento do Ministério Público, é do ICMBio a competência para definir os limites da zona de amortecimento. Porém, o Instituto entende que somente um ato de mesma hierarquia do que criou a unidade de conservação é que deveria fazê-lo. Para o caso de uma unidade de conservação federal, criada por decreto presidencial, somente outro decreto presidencial poderia delimitar a zona de amortecimento.
Para corrigir essa omissão na legislação, é preciso que a Presidência da República, por meio de um decreto, atribua aos órgãos ambientais das respectivas esferas de criação das unidades de conservação a competência de definir os limites da zona de amortecimento e dos corredores ecológicos.
São da responsabilidade dos órgãos ambientais como secretarias municipais e estaduais de meio ambiente e do ICMBio, na esfera federal, implementar, subsidiar as propostas de criação e administrar as unidades de conservação.
Atribuir essas funções à Presidência da República, aos governos de estado e às prefeituras municipais, por meio de decreto, é desviar a competência concedida pelo SNUC aos órgãos ambientais. São eles que reúnem todos os estudos necessários à definição dos limites da zona de amortecimento.
É preciso alertar que o SNUC, como parte do conjunto de leis que dispõe sobre a proteção da fauna, da flora, das águas, do ar e do solo, é tão importante para a aplicação da legislação ambiental e de seu funcionamento sistêmico quanto o polêmico Código Florestal.
Na prática, a não delimitação da zona de amortecimento de unidade de conservação faz com que os seus recursos ambientais que abriga fiquem vulneráveis às atividades humanas. A indefinição na lei do SNUC causa insegurança jurídica no entorno da unidade, cancelando ou suspendendo projetos, obras e investimentos públicos e privados, potenciais geradores de empregos, renda e desenvolvimento sustentável em seu entorno.
*Luiz Paulo Fazzio é advogado