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Opinião

A Ressurreição, do mito à realidade

Desde o seu aparecimento no Planeta Terra, o homem jamais aceitou a morte como o seu fim último e inexorável. Ela lhe soa como o fracasso e a derrota de todos os seus ideais e realizações. As fibras mais profundas de seu ser clamam pela imortalidade. Para os cristãos, a morte nada tem que ver com um Deus que é fonte de vida: «Deus não é o autor da morte, e a perdição dos seres vivos não lhe dá alegria. Ele criou tudo para a existência, e as criaturas do mundo são saudáveis: nelas não há veneno de morte, nem o mundo dos mortos reina sobre a terra» (Sb 1,13-14).
Talvez seja por isso que a humanidade sonha com a “vida eterna” desde a mais remota antiguidade. A mitologia grega foi buscar no Egito a lenda de fênix, um pássaro que, ao morrer depois de vários séculos de existência, entrava em autocombustão e renascia das próprias cinzas, transformando-se numa ave de fogo. Sua longa vida e seu maravilhoso renascimento faziam dela o símbolo da imortalidade e do renascimento espiritual.
A fênix não era a única ave que falava de transformação, como atesta a Bíblia: «Deus cumula de bens a tua existência, e a tua juventude se renova como a da águia» (Sl 103,5).
Na época – e durante muitos séculos – pensava-se que a águia fosse um pássaro centenário. Contudo, para alcançar essa idade, aí pelos 40 ou 50 anos, ela precisava tomar uma decisão complicada. Nessa fase da vida, suas unhas flexíveis já não conseguiam agarrar as presas; o bico se curvava sobre o peito; as asas estavam pesadas; e o voo se tornava uma empresa arriscada, senão impossível. Sobravam-lhe, então, duas alternativas: entregar os pontos ou enfrentar um longo e doloroso processo de renovação, que poderia durar meses.
Levada pelo instinto de conservação, ela optava pela nova chance. Voava para o alto de uma montanha e escolhia uma gruta para nela se refugiar. Iniciava, então, o seu processo de recuperação. Primeiramente, batia com o bico nas pedras até perdê-lo. Quando nascia o novo, arrancava, uma a uma, as unhas carcomidas. Em seguida, passava a retirar as penas E, cinco meses depois, deixava o abrigo rejuvenescida e pronta para uma nova fase de vida.
O que não passa de mito e lenda, para o homem que se deixa guiar pelo amor se torna uma feliz realidade. É o que lembra o Apóstolo João: «Sabemos que passamos da morte para a vida porque amamos os irmãos. Quem não ama permanece na morte» (1Jo 3,14). Quem se fecha e se isola, fazendo do seu umbigo o centro do mundo, escolhe como morada o sepulcro.
O processo de crescimento e renovação da pessoa lhe exige um estado permanente de conversão. Ninguém ressuscita se não estiver morto. É por isso que São Paulo não cansava de repetir: «Morro todos os dias» (1Cor 15,31). Foi esta também a descoberta feita por São Francisco de Assis que lhe trouxe a “perfeita alegria”: «É morrendo que se vive para a vida eterna». Assim pensando, ambos nada mais faziam do que assumir a dialética do Evangelho, sintetizada pelo próprio Jesus nestas palavras: «Se o grão de trigo caído na terra não morrer, ficará só; se morrer, dará muito fruto. Quem se apega à vida, perdê-la-á; mas quem perder a sua vida, conservá-la-á para a eternidade» (Jo 12,24-25).
Quem consegue «crucificar seus instintos egoístas juntamente com suas paixões e maus desejos» (Gl 5,24) e tornar-se «uma nova criatura em Cristo» (2Cor 5,17), sua ressurreição se prolongará após a morte numa metamorfose que os católicos denominam “ressurreição da carne”.
Em sua primeira carta aos cristãos de Corinto, ao tentar explicar como será essa trans-formação, São Paulo, a exemplo de Jesus, recorre à metáfora da semente: «Como é que ressuscitam os mortos? Com que corpo retornam? Escuta: o que semeias não volta à vida se antes não morrer. O que semeias não é o organismo que surgirá, mas um simples grão de trigo ou de qualquer outra espécie. E Deus lhe dá o corpo que quer, a cada semente o próprio corpo. Assim acontece com a ressurreição dos mortos: o corpo é semeado corrup-tível, mas ressuscita incorruptível; é semeado desprezível, mas ressuscita glorioso; é seme-ado fraco, mas ressuscita poderoso; é semeado corpo animal, mas ressuscita corpo espiri-tual». E conclui com um brado de alegria e uma exortação à perseverança: «A morte foi ani-quilada definitivamente. Onde está, ó morte, a tua vitória? Por isso, queridos irmãos, ficai firmes, inabaláveis, progredindo sempre na obra do Senhor, convencidos de que a vossa fadiga pelo Senhor não será inútil» (1Cor 15,35-38.42-44.54-55.58).

Dom Redovino Rizzardo é bispo da Igreja Católica, na diocese de Dourados