O dilema da saúde no Brasil apresenta-se entre o Sistema Único de Saúde (SUS), que se deteriora pelo corte de gastos públicos e pressão de lobistas (grupos que influem os servidores públicos a favor de seus interesses), e o sistema privado que, entre outras demonstrações de que a saúde não é objeto de leis de mercado, aumenta o preço dos planos proporcionalmente à idade ou cancela a prestação de serviços para idosos.
No fim, esta balança pesa mais de um lado porque, quando o cliente mais precisa, o plano tira o corpo e sobra para o SUS fazer tratamento de doenças para as que aquele não oferece cobertura.
Tive duas motivações para escrever este texto: uma é a leitura de um foro de discussões sobre a saúde pública no Brasil e outra, de um artigo que recomendava aos detentores de planos de saúde usar artimanhas para agendar consultas mais rapidamente, uma vez que o agendamento pode levar meses quando se trata de convênio e ser no mesmo dia quando particular.
Na primeira situação, notei o descontentamento unânime com as seguridades pública e privada no setor, enquanto, na segunda, uma dica de como degradar-se para conquistar objetivos, entre os quais está mentir que é particular e no momento da consulta dizer que é convênio.
A saúde não deveria ser objeto de ganância, lucro e especulação financeira como se tratasse de qualquer produto no capitalismo. Tampouco acredito em concorrência entre empresas de plano de saúde como se participassem do mesmo campeonato que produtos banais de supermercado.
Uma coisa é falar de concorrência entre empresas que vendem medicamentos e equipamentos médicos, outra é inserir na mesma esfera de mercado a assistência à saúde e os direitos de acesso a ela. O risco é o de que jovens saudáveis continuem pagando por planos de saúde quase sem usá-los, enquanto se nega este serviço a idosos que mais precisam dele.
Os discursos do “Programa Mais Saúde” da gestão atual de Lula, como os de equidade, integralidade e universalidade do acesso à saúde, ocultam os conflitos entre o interesse público e o dos planos privados, hospitais e médicos insatisfeitos com os salários.
Estes discursos residem na terra da imaginação. A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) é, assim, imprescindível para regular a qualidade dos planos de saúde e assegurar que setores mais amplos da população brasileira tenham acesso a informação, atendimento e tratamento médico que solicitem, porém com o cuidado de não condescender aos interesses privados.
Não será um pequeno grupo de burocratas que controlará como deve ser a saúde no Brasil, pois concentraria as pressões de setores interessados em corrompê-lo e as decisões não partiriam de um diálogo democrático.
Proponho o fim gradual dos planos de saúde sem o qual dificilmente se juntarão forças para lutar por uma saúde pública eficiente e para todos. Os cidadãos que têm melhores condições de pressionar a favor da melhora do SUS hoje se iludem de resolver seus problemas por meio dos planos privados.
A idéia é a de atribuir legalidade somente a empresas públicas, e várias de modo que haja concorrência, atuando no setor de saúde e reguladas por agência estatal.
Desta maneira, os impostos poderão baixar e o Estado continuará oferecendo serviços de saúde, mas sem o objetivo do lucro voraz, e com a perspectiva de melhor qualidade e eficiência. Seria um equilíbrio entre burocratas e empresários da saúde, ao contrário de deixá-la somente nas mãos do Estado ou do mercado. Na terra da realidade.
Bruno Peron Loureiro é bacharel em Relações Internacionais