No imaturo sistema político brasileiro, tudo sempre pode piorar. E piora.
Por isso é de arrepiar a revelação de Fábio Zanini, na Folha de domingo, que projeto legalizando uma segunda reeleição de Lula (e governadores e prefeitos!) via plebiscito já reuniu as 171 assinaturas necessárias para protocolar emenda constitucional.
O verniz de legalidade desse casuísmo obscurantista reduz o Brasil a uma Venezuela chavista, emulando a linha bolivariana de levar a voto popular reformas constitucionais que concentram poder no presidente em momentos de alta popularidade do mandatário:
"Não há razão lógica para se proibir um terceiro mandato sucessivo, mesmo porque, a rigor, cabe ao eleitorado decidir sobre a continuidade ou a descontinuidade da gestão posta ao crivo das urnas", disse o autor do projeto, o deputado Jackson Barreto (PMDB-SE).
O sergipano que pode mudar a história do país é um político típico do partido típico do sistema político brasileiro, com passagens por MDB, PMDB, PSB, PDT, PMDB de novo, PMN, PTB e PMDB de novo de novo. Notem que, para ele, o fato de a Constituição proibir a segunda reeleição não é "razão lógica" para proibi-la.
As dúvidas sobre a candidatura Dilma e a falta de alternativas viáveis à ministra empurram a tal base aliada a um desastroso queremismo lulista.
A aprovação do terceiro mandato seria um retrocesso de custo altíssimo ao país, um golpe mortal no alicerce fundamental do avanço recente do Brasil: nossa estabilidade político-econômica.
Num país gigante pela própria natureza, bastaram 15 anos dessa dupla estabilidade para atingirmos nosso melhor momento histórico.
Oito anos de Fernando Henrique Cardoso seguidos de oito anos de Lula já seria boa marca histórica só pela alternância ordeira no poder de diferentes grupos políticos, o que é a essência da democracia, mais importante até que o simples ato de votar.
FHC e Lula foram ainda o melhor que esses grupos tinham a apresentar nos seus momentos de ascensão e representavam os dois partidos com os projetos de poder mais consistentes.
O eleitor brasileiro foi inteligente ao elegê-los, e avançamos.
Mas, como não quiseram se unir, PSDB e PT abraçaram a massa fisiológica que desde sempre é a maior bancada do Congresso, formando alianças que jogaram todos os partidos na vala comum da corrupção e do patrimonialismo, consolidando um vale tudo imoral e ilimitado como novamente provam os novos episódios da série escândalos do Congresso.
A inteligência e os instintos afiados de Lula já o fizeram rechaçar várias tentações de destruição em massa ao longo de seus dois mandatos, mas nem todas.
Agora, no fim de sua era, Lula vê o PSDB forjar uma forte chapa "puro sangue" (com Serra e Aécio ressuscitando a política do café com leite no século 21), enquanto sua candidata se enfraquece por questões imponderáveis sem que existam boas alternativas no PT.
A última tentação de Lula, o terceiro mandato, pode ser a mais forte e é certamente a mais perigosa. O Brasil não pode retroceder na democracia. Lula precisa, mais do que nunca, resistir.
Sérgio Malbergier é jornalista e correspondente internacional