(*) Eliane Cantanhêde
O governo decidiu comprar uma briga com parte da comunidade científica, acadêmica e artística, ao descartar duas candidaturas brasileiras em favor do nome do egípcio Hosni Farouk, 70, pintor e ex-ministro da Cultura do seu país, para a diretoria-geral da Unesco, braço da ONU para educação, cultura, ciência e comunicação.
Essa decisão ainda não é oficial, mas foi tomada pelo Planalto, transmitida ao Itamaraty e está para ser formalizada a qualquer momento. Com isso, Lula descarta o apoio a dois fortes nomes do Brasil na disputa, o do engenheiro e pesquisador Márcio Barbosa, 57, que já é diretor-geral adjunto da Unesco, e o do senador e ex-ministro da Educação Chistovam Buarque (PDT-DF), 65.
Escaldado por uma sequência de derrotas em disputas para órgãos multilaterais, o governo preferiu desistir da direção geral da Unesco e apostar suas fichas numa outra candidatura: a da atual ministra do Supremo Tribunal Federal Ellen Gracie para uma vaga na OMC (Organização Mundial do Comércio).
O Itamaraty tinha praticamente fechado com Barbosa, que já teria apoio manifesto de 20 dos 58 países votantes, mas Lula vinha aguardando há pelo menos seis meses um entendimento entre ele e Buarque, sem sucesso. Entre desagradar um, resolveu desagradar os dois e escapar do risco de perder mais essa eleição, marcada para outubro.
A alegação extraoficial do governo é que o Brasil não poderia bater de frente com o Egito, que argumenta ser a sua vez no rodízio pelo cargo, representa os árabes na disputa e é um dos países emergentes que a política externa brasileira tanto preza. Foi, portanto, uma posição para inglês ver, mirando para fora, não para dentro do país.
Ou seja: essa posição desconsiderou os aspectos internos. Cientistas já se movem a favor de Márcio Barbosa, que dirigiu o Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) e tem a simpatia do atual diretor-geral da Unesco, o japonês Koichiro Matsuura, responsável, por exemplo, por atrair os EUA de volta à organização. E artistas também já reclamam a favor de Buarque, que disputou a última eleição presidencial com a bandeira da educação.
Além do egípcio Farouk, há três outros candidatos formalmente colocados: Mohammed Bejaoui, da Argélia, 79, ex-ministro das Relações Externas da Argélia, ex-juiz e presidente da Corte de Haia, Irina Bokova, da Bulgária, embaixadora e delegada permanente junto à Unesco, e Ina Marciulionyte, da Lituânia, formada em letras e também delegada permanente junto à Unesco. A lista ainda não está fechada, pois a data final para recebimento de candidaturas é 31 de maio.
Temos um mês pela frente, portanto, para ver uma boa disputa e alguns socos e ponta-pés nos bastidores do governo. Jogar para o alto um organismo com a simbologia da Unesco, num país sempre tão atacado pela baixa qualidade do ensino (veja o Enem…), pode não ser uma boa idéia. E a turma preterida sabe muito bem como reagir quando é contrariada.
Eliane Cantanhêde é jornalista e colunista de política