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A vez do Irã

Os Estados Unidos, incapazes de manter hegemonia sobre a América Latina, pressionam a comunidade internacional para sancionar o Irã devido ao acercamento diplomático deste país à região. A encenação estadunidense vai em contra do reconhecimento de que o mundo deixou de ter um suposto patrão para assumir uma realidade multipolar. Ainda que um “governo mundial” seja impertinente em relações internacionais, os Estados Unidos encontram cada vez menos respaldo para agir assim.
Teerã torna-se um dos maiores inimigos de Washington ao abrir embaixadas na América Latina, estabelecer diálogos e acordos com líderes da região e propiciar o intercâmbio das culturas orientais com as nossas. Vozes afirmam que o Irã aproximou-se da América Latina porque a política exterior de George W. Bush negligenciou esta região, que era tida como “esfera de influência” dos Estados Unidos. Rancores de um projeto de “América para os americanos” que não deu certo?
É o cúmulo da hipocrisia que os Estados Unidos condenem o programa nuclear do Irã e as Nações Unidas apliquem sanções ao país. Recordo que Iraque, Irã e Coréia do Norte foram tachados pela diplomacia estadunidense de “Eixo do Mal”. O Iraque recebeu uma invasão covarde em março de 2003, enquanto a Coréia do Norte foi objeto de especulação internacional por haver testado armamento balístico e nuclear. Onde está o direito de defesa nesta anarquia (= sem governo) mundial?
O Irã converteu-se em inimigo dos Estados Unidos porque sustenta culturas e valores diferentes, interesses que se opõem ou conflitam com os deste país, é chamado de terrorista e uma ameaça à paz mundial devido ao seu programa nuclear. As reações encolerizaram-se pelo estreitamento de laços do Irã com Venezuela, Bolívia, Cuba, Equador, Nicarágua e Brasil. Com a Bolívia e só para citar um caso, houve um acordo de cooperação de mais de 1 bilhão de dólares.
A América Latina aguardou a chance de libertar-se da coleira que a prendia aos ditames dos países centrais, que sempre tiveram armas nucleares e cometeram atrocidades piores que as que acusam o governo iraniano. Ainda que não concordemos com toda linha ideológica do Irã, como nas acusações de desrespeito aos direitos humanos, as relações bilaterais e multilaterais prescindem de uma convergência total. A ameaça implícita é de que o mundo seja menos inundado pelo capitalismo estadunidense. O foco da questão é a deterioração da importância dos Estados Unidos na América Latina e o ganho de espaço de nações que pressionam pelo multilateralismo.
O Irã quer ainda estreitar relações comerciais e culturais com o Brasil, sobretudo nas áreas de adubos, gás, energia nuclear, medicina e petroquímica. Este país importa dos iranianos combustíveis, frutas secas, tapetes e peles. O Irã tem pesquisa avançada em medicamentos, apresentou ao mercado alguns contra o câncer e a diabete, e abastece 80% das necessidades internas no setor. A taxa de analfabetismo iraniana é de entre 2% e 3%, e 45% da população têm curso superior.
Brasileiros que vivem em Teerã, capital do Irã, relatam que a maioria é bem educada e tem interesse no Brasil. O presidente iraniano, que está no poder desde 2005, fez uma visita simbólica ao nosso país em 23 de novembro. Argumentos de uma reeleição conturbada e questionada e da imposição de freios à liberdade são insuficientes para conter esta oportunidade para o Brasil, cujo governo é favorável ao programa nuclear para fins pacíficos, e para o restante da América Latina.
A aproximação do país onde prosperou a antiga Pérsia à América Latina tem muito menos de prejudicial a nós que aos pilares imperiais dos “Americans”. Chegou a vez do Irã. E também a nossa de ser parte efetiva do continente americano sem preconceitos desmedidos.

Bruno Peron Loureiro é mestre em Estudos Latino-americanos.