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A violência em Paranaíba-MS: do século XIX ao XXI

Infelizmente a prática da violência não se reduz ao século XIX quando o poder local, na figura dos ditos “pioneiros”, mandava e desmandava na Freguesia e, mais tarde, Vila de Sant’Anna do Paranahyba. Mas, é preciso ressaltar, jamais sem que deixasse de existir a resistência, principalmente daquela que provinha dos pobres da terra: escravizados, indígenas e pobres livres. 

A violência também não se reduz às práticas dos coronéis, com seus calibres 44, das primeiras décadas do século XX, e as suas milícias particulares. Ela continua no presente, de forma renovada, mas bem parecida com o passado.


Certa vez, o presidente da Província de Mato Grosso, Augusto Leverger, em novembro de 1851, ordenava que José Garcia Leal não despejasse a Antonio Luis das proximidades do aldeamento dos Cayapó, perto do rio Paranaíba, pois “nem esta Presidência ainda nomeou Diretor da mesma aldeia, nem o distrito dela foi até agora demarcado”. Em 1855, Leverger também ressaltava a necessidade de que o chefe de polícia fosse até a Freguesia de Paranaíba para conter os mandos e desmandos do lugar.


Mas, são poucas as pessoas que conhecem essas histórias… Permanece na memória da população a imagem dos intrépidos “desbravadores” mineiros que ocuparam os sertões de Paranaíba com a pecuária e os seus derivados.


Não se fala, por exemplo, da violência em relação aos Cayapó na utilização de sua mão de obra nas fazendas de gado a mando do governo provincial e dos interesses particulares; na exploração de seu trabalho nas embarcações ao serem obrigados a fazer a travessia das canoas no rio Paranahyba; na presença desses povos compondo as milícias particulares da região na defesa de fazendeiros, como indicam os processos criminais; no cultivo das roças para servir aos destacamentos militares e aos sertanistas, etc.


Não se fala ainda dos negros escravizados por aquelas terras. O quanto trabalharam, o quanto foram sujeitados à violência do lugar… O quanto resistiram…. Não se conta, por exemplo, a história do escravo Sebastião que morreu açoitado, no ano de 1862, pelas mãos de seu senhor, Isaias Joaquim Guimarães, por ter sido acusado de roubo de um colar de pouco valor. O senhor saíra impune do processo criminal pelo fato de as testemunhas dizerem que sabiam da morte do escravo “por ouvir dizer”.


Estas são histórias que precisam ser contadas para que o passado não se reproduza no presente, pois, como sugere Karl Marx, as repetições sempre derivam primeiro na tragédia e em seguida na farsa.


Por falarmos em tragédia, chegamos ao que queremos realmente denunciar: o trágico acontecimento da noite do dia 31/08/2013 em que o Coordenador do Curso de Psicologia da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul – Campus de Paranaíba, Prof. Nilson Berenchtein Netto, e dois professores convidados foram frontalmente agredidos, verbal e fisicamente, pelo prefeito municipal de Paranaíba, Diogo Robalinho de Queiroz, no restaurante Come Come…


 Como nos conta Netto, em carta pública, sob a acusação de que os professores são “bando de vagabundos que chupinham o estado”, afora outros impropérios, o prefeito desferiu tapa em seu rosto. Conta ainda que outro professor que o acompanhava também foi vítima dessa agressão ao ter recebido tapa em sua mão e ser obrigado a continuar a ouvir palavras nada lisonjeiras. E sem limites do arbítrio, narra o professor, o prefeito ordenou: “Cale a boca, sabe quem eu sou? Eu sou o prefeito desse município”.


 Como um verdadeiro “dono do poder local” do século XIX, “coronel” do tempo da República ou “ditador” do regime militar, o prefeito, em pleno século XXI, disse, segundo Netto: “fui eu quem trouxe a Universidade Estadual para Paranaíba e o Ramez Tebet a federal”. E disse ainda: que traria o curso de Medicina Veterinária junto com a reitora Célia, independentemente de qualquer oposição.


Então, é perceptível, conforme a narrativa do professor, que toda a agressão se fundamentou na sua crítica livre e embasada à ida do curso de Medicina Veterinária para Paranaíba. A crítica de Netto se sustenta e muito. Basta olharmos para as práticas das gestões anteriores da UFMS na criação indiscriminada de cursos pelo interior, principalmente na gestão do “rei-tor” Peró, sem dar-lhes minimamente as condições básicas para o seu funcionamento, no que deriva a fragilidade tanto dos cursos antigos quanto dos novos.


Aos professores, técnicos administrativos, aos alunos e comunidade em geral resta lidar pelos vários Campus da UFMS com a precariedade humana e material dos novos cursos e ver os já implantados há décadas vivendo à míngua a falta de professores, de funcionários e de condições básicas para o seu funcionamento. Por fazer esta critica fundamentada e por participar ativamente dos movimentos sociais ocorridos na cidade nos últimos meses o professor (e seus colegas de trabalho) foi sujeitado a essa violência.


Em Nota de Esclarecimento divulgada na internet, no dia 02/09, o prefeito Diogo “Tita”, como é conhecido, refutou as declarações do Prof. Netto dizendo serem inverdades. Reafirmou o seu desejo de levar o curso de Medicina Veterinária para Paranaíba, pois o vê como “um sonho que será realizado com muito custo e não admitiremos que ninguém crie obstáculos”. O que significa, nesta nota, “não admitir que se crie obstáculos”? E a livre expressão, o direito democrático de expressar a palavra? Não voltemos ao século XIX ou início da República. Também que sejam veementemente negadas as práticas ditatoriais de cerceamento da liberdade dos “anos de chumbo”.


O prefeito não pode estar acima da justiça ou mesmo do bem e do mal. Esperamos que os poderes públicos no âmbito municipal, estadual e federal (já que implica a agressão a um funcionário desta última instância) se manifestem, incluindo a Reitoria da UFMS, repudiando esta ação e se posicionando na defesa da liberdade de expressão e no direito dos professores desenvolverem o seu trabalho com a integridade física e psicológica garantidas. Esperamos que o nosso tempo não seja aquele do século XIX, dos coronéis ou mesmo do regime militar.Tais práticas não devem jamais ser toleradas, nem em Paranaíba e nem em qualquer outro lugar!!!

*Maria Celma Borges é professora doutora do curso de História, Campus de Três Lagoas, Universidade Federal de Mato Grosso do Sul.  Pós-Doutoranda na UFF, desenvolvendo o projeto: “A questão agrária em Sant’ Anna do Paranahyba, Sul de Mato Grosso: os pobres da terra por entre as roças e fazendas (1828-1889)”