A absolvição do juiz Fausto De Sanctis da acusação de suposta desobediência ao STF (Supremo Tribunal Federal) é uma boa notícia para a democracia. Manteve a independência de um magistrado da primeira instância da Justiça Federal em relação ao Supremo. Isso não é pouca coisa.
Titular da 6ª Vara Criminal Federal de São Paulo, onde tramitam casos cabeludos de crimes do colarinho branco, De Sanctis tem agido de acordo com as suas convicções. É ótimo que ele possa continuar trabalhando assim.
Isso não significa concordar com as decisões do juiz. No entanto, se a independência de De Sanctis tivesse sido castrada, abrir-se-ia um precedente muito perigoso. Qual era a acusação? Suposta desobediência ao STF.
Ora, as instâncias superiores da Justiça estão aí para reformar, para corrigir decisões. Mas não podem se tornar bedéis de juízes de primeira instância. De Sanctis apenas ousou entender diferente dos ministros da mais alta corte de Justiça do Brasil.
Das duas acusações de desobediência ao STF, a mais polêmica era a decisão de mandar prender pela segunda vez o banqueiro Daniel Dantas, alvo da Operação Satiagraha, da Polícia Federal. O juiz avaliou que havia nova prova a justificar nova prisão: emissário de Dantas tentara corromper um delegado federal.
O presidente do STF, Gilmar Mendes, num procedimento criticado por juristas, suprimiu instâncias e concedeu habeas corpus a Dantas. Mendes interpretou a decisão de De Sanctis como tentativa de afronta, pois o ministro já havia mandado soltar o banqueiro pouco antes.
A decisão do TRF (Tribunal Regional Federal) da 3ª Região, que julgou as acusações contra De Sanctis, sustenta a posição do juiz em relação ao segundo habeas corpus.
Homem de convicções, Mendes agiu de acordo com sua consciência, contrariando a maré. É algo meritório. Mas Mendes não é o dono do Judiciário brasileiro. Ele não pode enquadrar magistrados de outras instâncias. Repetindo: a vitória de Fausto De Sanctis é excelente democracia.
Como é pedagógico o choque entre as convicções de De Sanctis e de Mendes, esses conflitos, mediados pelas instituições, são boas dores da democracia. Dores que a fortalecem. Dores que nos ajudam a ser mais tolerantes. A pensar antes de acusar e a não imputar a juízes e ministros interesses obscuros em suas decisões. Às vezes, é preciso repetir o óbvio ululante: as pessoas têm convicções. Ainda bem.
Kennedy Alencar é jornalista e comentarista de jornal de TV