Após amplo debate público e parlamentar, a presidenta da República, Dilma Rousseff, sanciona hoje duas novas leis que mudam a efetivação dos direitos fundamentais em voga desde a promulgação da Constituição Federal, em 1988. A sociedade passará a contar com uma Lei Geral de Acesso à Informação e, finalmente, verá se tornar realidade a Comissão Nacional da Verdade.
Abre-se, assim, a porta de entrada para que sejam esclarecidos os graves crimes contra direitos humanos cometidos durante os Anos de Chumbo, sendo possível, a partir dela, adentrar no funcionamento da estrutura repressiva organizada nesse longo período de ditadura militar.
Simboliza passar a limpo o passado para escrever o projeto de futuro de uma nação pacificada, que respeita e promove os direitos humanos, em prol de um Estado democrático de Direito, mas que não olvida e nem apaga sua memória.
O Brasil passa a percorrer, desta forma, o caminho trilhado por outras nações vizinhas da América Latina, que instituíram comissões congêneres, como a exitosa experiência da Argentina, que documentou cerca de nove mil casos de desaparecimento, ou a iniciativa do Peru, cuja Comissão de Verdade e Reconciliação identificou 65 mil casos de mortos e desaparecidos. Ou ainda, a Comissão formada no Chile que, após nove meses de trabalho, apresentou um relatório o qual teve várias de suas recomendações postas em prática, entre elas, a criação de uma Corporação Nacional para Reparação e Reconciliação, responsável por estabelecer reparações financeiras e outras compensações às vítimas.
Quanto ao Brasil, a criação da Comissão da Verdade é uma das medidas de reparação incentivadas pela Corte Interamericana de Direitos Humanos na sentença do caso Gomes Lund e outros (também conhecido como Caso Guerrilha do Araguaia), devendo ser conduzida de acordo com o disposto nessa decisão, a qual também prevê o dever do País de determinação do paradeiro das vítimas daquela Guerrilha, bem como o acesso, sistematização e publicação dos respectivos documentos em poder do Estado.
Nesse sentido, um elemento essencial de conexão com a Comissão da Verdade é a Lei de Acesso à Informação, que permitirá que dados relacionados às violações de direitos humanos cometidas por agentes públicos – ocorridas no período que se pretende lançar luz – não se submetam a sigilo indeterminado.
A nova Lei traz também outros elementos positivos como a definição de prazos curtos de resposta a pedidos de informação; a sua prestação gratuita, de forma objetiva, transparente, clara e em linguagem de fácil compreensão; a previsão de acesso adequado aos deficientes; os recursos e as devidas responsabilizações administrativas quando da negativa inadmitida de informação; e, principalmente, a impossibilidade de se restringir acesso a informações que versem sobre condutas que impliquem violação aos direitos humanos, praticadas por agentes públicos ou a seu mando.
Com o ato sancionado hoje pela presidenta Dilma, assegura-se a todo cidadão o direito de acesso à informação pública como direito humano fundamental, como preceituam diversos tratados internacionais ratificados pelo Brasil. Dá-se fim, portanto, aos sigilos eternos, e vira-se mais uma página no processo de justiça de transição à democracia no qual ainda nos encontramos.
Pode-se dizer que, em conjunto com a Comissão Nacional da Verdade, a Lei de Acesso à Informação é um marco-alicerce para que seja atingida a transparência pública, a efetivação e promoção dos direitos humanos, além de, paralelamente, fortalecer-se o combate à corrupção, que deixou recentemente, no âmbito das Nações Unidas, de ser uma competência meramente policial e passou a ser tratado como um instrumento garantidor do direito das gentes.
E vem das massas o clamor pela verdade, sinal maior do grande acerto das duas leis promulgadas, que vêm a contribuir para a construção da Justiça e da paz duradora em nosso país.
Roberto de Figueiredo Caldas é juiz ad hoc da Corte Interamericana de Direitos Humanos e membro da Comissão de Ética da Presidência da República