A nossa cidade foi literalmente inundada chuva do dia 26 de janeiro, última quinta feira. Foram 90 milímetros de água em meia hora. Para se ter uma idéia, a previsão para o mês de janeiro todo era de 200 milímetros para 31 dias: num só dia, em meia hora, caiu quase a metade da previsão. Ou seja, foi algo totalmente inusitado e para o qual dificilmente se consegue prevenção adequada.
Para uma análise dos fatores que contribuíram para essa catástrofe, vamos começar pela topografia da nossa cidade, envolvendo nossos dois principais e históricos córregos: o Prosa e o Segredo. O Prosa, desde sua cabeceira até a foz, percorre uma distância de 7.800 metros, com uma diferença de nível de 112 metros. O Segredo, na mesma configuração, percorre 10.000 metros, com um desnível de 113 metros, quando ambos se encontram formando o Rio Anhanduí. O desnível é muito acentuado e acidentado, num percurso pequeno.
As informações acima fazem parte do livro Ligeira Notícia sobre a Vila de Campo Grande, de autoria do então 1º tenente e engenheiro-militar, Temístocles Paes de Souza Brasil, em 1910, “considerado o primeiro escrito sobre a cidade” segundo o professor Hildebrando Campestrini, na apresentação da edição publicada pelo Instituto Histórico e Geográfico, juntamente com a outra obra, do mesmo autor, esta de 1921, já como capitão de cavalaria, Relatório de Estudos para o Abastecimento de Água aos Quartéis de Campo Grande.
Na obra citada, na página 32, o tenente Temístocles informa que “o regime das águas pluviais é, em Campo Grande, interessante pela impetuosidade que apresentam as torrentes e pelo trabalho que produzem arrastando as terras, cavando uns lugares, aterrando outros, enfim, transformando a feição exterior do solo com grande rapidez”. Essa lúcida observação demonstra uma visão técnica e competente de quem conseguiu naquela época, 1910, constatar uma condição intrínseca da nossa cidade.
O dr. Temístocles merece uma justa homenagem e um reconhecimento maiores do que recebeu: a denominação de uma travessa entre a rua 14 de Julho e a avenida Calógeras, nas imediações da estação ferroviária.
O segundo aspecto a considerar é a chamada convergência do atlântico sul. Como o próprio nome indica, trata-se de uma convergência ( ponto ou grau em que linhas, raios luminosos, objetos, etc., convergem – segundo o Aurélio), encontro de duas tendências que ao se encontrar provocam um resultado multiplicado por suas forças e que se verifica no nordeste do nosso estado e , eventualmente, atingem nossa cidade. É um fenômeno físico, que independe da vontade das pessoas.
Normalmente, essas precipitações pluviométricas acentuadas, são classificadas como tromba d’água. Há um equívoco nessa classificação. Tromba d’água só ocorre no oceano porque as condições para sua ocorrência dependem de cenário próprio e só se realizam em alto mar. Raramente pode ocorrer no leito dos grandes rios, como o Amazonas. Essas explicações foram dadas pelo professor Arnaldo Menecozzi, geógrafo, que, juntamente com a sua colega Ângela Antonieta Laurino – ambos associados do Instituto –, estão elaborando uma obra monumental: Enciclopédia das Águas, que vai mapear e registrar todos os cursos d’água do nosso estado, realização do Instituto Histórico e Geográfico, sob a supervisão do professor Hildebrando Campestrini, em convênio com o governo do estado e que vai ser disponibilizada até outubro deste ano, na forma digital e impressa.
O terceiro aspecto que concorre para um resultado caótico é a qualidade das obras públicas que se praticam em nossa cidade. Lembro-me da obra realizada pelo então prefeito Levy Dias, quando na sua primeira gestão, 1973/77, criou o mini-anel, que abrangia as avenidas Salgado Filho, Eduardo Elias Zahran, Ceará, Marechal Mascarenhas de Morais e Tamandaré. O asfalto ali aplicado está inteiro até hoje, passados quase quarenta anos. A camada asfaltica hoje praticada não resiste a qualquer chuva forte, ainda mais com as condições da topografia da nossa cidade, como já demonstrado pelo dr. Temístocles há mais de um século. Isso porque a camada de cobertura do asfalto de hoje, é muito tênue.
Além disso, a imprensa informou exaustivamente, sobre os locais que receberam obras para contenção das águas e que resultaram em crateras enormes e foram abandonadas pelas empreiteiras encarregadas, uma há mais de dois anos, sem que, aparentemente, tenham sido multadas ou punidas por esse descaso com o bem público. Onde está a fiscalização da secretaria municipal de obras (Seinthra) que, naturalmente deveria fiscalizar o andamento das obras e atestar a sua conclusão na conformidade do contratado? Como são feitas as medições e conferências das obras? Recebe-se a infra-estrutura e o asfalto de qualquer jeito? De uma forma malfeita para refazer de novo? São perguntas que devem ser respondidas por quem de direito.
Nesse episódio todo ficou muito claro o sentimento de frustração do nosso prefeito, sofrendo junto com a nossa população essa situação dolorosa. Ele que conta com mais de 70% de aprovação exatamente pela administração vitoriosa que lidera. Mas, prefeito, alguém está falhando. E muito. Heitor Freire – Corretor de imóveis e advogado.
(*) Heitor Freire é corretor de imóveis e advogado.