Com a estréia do filme de Tim Burton Alice no País das Maravilhas, mais uma vez a obra e a vida de Lewis Carroll voltam à tona.Charles Lutwidge Dodgson (1832-1898), o homem por trás do pseudônimo Lewis Carroll, culto e severo, foi professor de lógica em Oxford; era encantado por meninas, manteve amizade com muitas delas e adorava impressionar suas pequenas amigas com cartas malucas, inventando jogos de palavras, trocadilhos e histórias exóticas. Era também famoso por sua paixão por fotografia. Gostava muito de fotografar suas amiguinhas.
Dentre estas, uma se destacou: Alice Pleasance Liddell, de apenas 9 anos de idade, era a quarta filha do vice-reitor da Universidade de Oxford, Henry George Liddell. Durante uma travessia de barco pelo Rio Tâmisa, Carroll ao perceber que Alice e suas irmãs se chateavam, contou-lhes uma aventura em que a própria Alice era a protagonista, que após seguir um coelho apressado que tinha um relógio, encontra o estranho País das Maravilhas. Para tornar a aventura familiar às ouvintes, ele utilizou elementos do cotidiano delas, como o coelho. Uma boa parte dos episódios da obra foi inventada durante esse passeio.
Assim, a obra mais conhecida de Carroll não surgiu literária, mas de forma oral. A um pedido de Alice, Carroll transformou a história em um manuscrito e a presenteou.
É notório a timidez e a gagueira que marcavam o autor, o que, para muitos biógrafos, resultou em nunca ter se casado. Apesar disso, sempre manifestou afeição por meninas pequenas e não suportava os meninos. Chegou a dizer “Gosto de crianças (exceto meninos)”. Na companhia de suas amiguinhas ele se transformava: abandonava a timidez e se mostrava amável e descontraído.
Esse comportamento de Lewis Carroll foi, e em alguns casos continua a ser até hoje, considerado como indícios de pedofilia. Contudo, a pedofilia de Carroll nunca chegou às vias de fato, tendo se mantido sempre no nível platônico, já que não existe nenhum relato ou dado histórico relevante que comprove algo. Nas fotos que fazia de suas pequenas modelos chegou a fotografar meninas nuas e semi-nuas, sempre com a permissão das mães.
Sua adoração por Alice se extravasava pelas cartas que escrevia a ela. Foram muitas. Sua mãe, Sra. Liddell, percebendo que algo poderia estar acontecendo de insólito em relação às suas atitudes para com Alice, tratou de desencorajar-lhe as atenções e queimou as primeiras cartas que enviou a Alice.
A pedofilia pode ser caracterizada como uma forte atração de um indivíduo adulto por uma criança, do mesmo sexo ou de outro. Geralmente essa atração é de natureza sexual, embora isso não implique que todo indivíduo que se sinta atraído por uma criança vá praticar atos sexuais com a mesma. Pode haver uma identificação do universo do adulto com o universo infantil, seja por inadequação ou incapacidade de viver a realidade do mundo adulto ou mesmo um fascínio pelo mundo das crianças. É como se fosse um adulto que se recusa a ser grande, que prefere a companhia dos pequenos. Neste caso, a pedofilia não pode ser considerada danosa para as crianças; nenhum mal lhes causa.
Infelizmente, nem todos são assim. As páginas policiais estão repletas de casos de adultos que praticam atos sexuais, completos ou não, com crianças das mais variadas idades. Numa grande parte das vezes, os atos de violência sexual acontecem com a quebra do vínculo de confiança que a criança deposita naquele adulto: são pais, padrastos, irmãos, enfim, pessoas muito próximas e da confiança da criança. Existem casos de pedofilia envolvendo mulheres adultas, mas são raros.
Durante uma boa parte da história humana, as crianças participaram de todas as atividades realizadas por adultos, inclusive o sexo. Somente no século XIX se formou a noção de infância, e mais recentemente, foi entendida como período peculiar de desenvolvimento, transitório, portanto.
O sexo, como atividade normal, pressupõe a igualdade e liberdade entre os parceiros. Igualdade e liberdade que só são possíveis entre adultos, ainda que em idades diferentes. E também momento oportuno. Uma criança e um adulto não são iguais. Merece e deve ser preservada de toda forma de exploração sexual.
As crianças devem seguir o seu ritmo normal rumo ao desenvolvimento. Qualquer alteração neste curso pode resultar em adultos doentes. Entendendo as necessidades desse período peculiar de desenvolvimento, o Direito considera crime a violação sexual de crianças e pune severamente quem infringir a barreira entre as gerações. É uma das formas de proteger as nossas crianças. A outra é o adulto se conscientizar do mal que pode provocar com seu ato.
Adailson Moreira é psicólogo, advogado e professor da UFMS em Três Lagoas