Segundo relato de historiadores como Pero Vaz de Caminha (o da carta), ao chegar ao Brasil, em 1500, o comandante Pedro Álvares Cabral, natural de Belmonte, Portugal, não se assustou muito com a nudez dos índios que frequentavam a praia (“nada cobria suas vergonhas”). Apesar de uma brisa constante, fazia calor pra valer. Os portugueses suavam em bicas e passaram a invejar a beleza dos naturais e a sua sem-cerimônia.
Poucos anos depois já com a vinda dos primeiros governadores gerais, Tomé de Souza e Duarte da Costa, com eles chegaram os jesuítas que foram pioneiros da educação brasileira, Manuel da Nóbrega e José de Anchieta. Davam aulas ao ar livre, debaixo de árvores frondosas, iniciando o processo de catequização dos nossos indígenas. O calor dos trópicos era secundário. Como escreveu Caminha, “a terra em si é de muito bons ares frescos e temperados”.
Não se sabe, apesar de alentadas pesquisas, do caso de algum cacique mais afoito que tenha reivindicado a colocação de ar-condicionado, ou mesmo um ventilador, nos locais de aprendizado. Também ainda não tinham inventado os maravilhosos eletrodomésticos de hoje, nem o original sistema de financiamento em 10 vezes.
Lembro nossas origens para depois passar por grandes educadores que viveram no Rio de Janeiro, sem o conforto dos aparelhos de ar-condicionado. Não consta da nossa história que o Instituto de Educação, glória da pedagogia fluminense, tenha precisado disso para oferecer o melhor ensino do Brasil. A ele bastava o talento de Fernando Azevedo, por exemplo, e outros saudosos educadores na sua congregação.
Anísio Teixeira criou a Universidade do Distrito Federal, matriz da UFRJ, e não há registros de que, no seu apreciado planejamento, tenha mandado adquirir aparelhos que aumentassem o conforto dos professores. Era um homem comprometido com novas ideias pedagógicas. Assim o Rio tornou-se capital do Brasil e o centro mais importante da sua educação, detendo por anos a fio o melhor índice médio de instrução do país. O Colégio Pedro II, padrão de excelência, contribuiu para isso.
Hoje, com a educação decadente e índices lamentáveis no Prova Brasil, especialmente em língua portuguesa, o Rio de Janeiro parece se orgulhar da compra de centenas de aparelhos de ar-condicionado para colocar em algumas escolas fluminenses. Quem vai pagar a conta do consumo, ainda não se sabe. Nem como será feita a complicada manutenção, sobretudo em cidades do interior. Sem aumentar significativamente os salários dos professores, há dois anos, alegando falta de verba, o governo compra computadores, microfones e aparelhos de ar-condicioanado, como se isso fosse melhorar a qualidade do ensino, que carece de providências estruturantes, ainda longe de serem tomadas.
Não se conhece um só caso da educação mundial em que a qualidade do ensino foi substancialmente aperfeiçoada graças à existência de luxuosos aparelhos de ar-condicionado. Ao contrário, sempre houve crescimento quando professores e especialistas receberam melhores salários. É preciso ponderar sobre isso.
Arnaldo Niskier é membro da Academia Brasileira de Letras e presidente do CIEE/Rio