Nos últimos dois anos, os conflitos entre os adquirentes de unidades e as incorporadoras e construtoras aumentaram consideravelmente, após longo período de redução dos litígios. Anteriormente, as discussões se davam principalmente em decorrência de fatores como correção monetária e rescisão dos contratos, situação mitigada pela estabilidade econômica e pelo aumento da capacidade de pagamento e das opções de financiamento ao adquirente. Entretanto, o aumento dos conflitos agora se dá preponderantemente pelo atraso na entrega das unidades e má qualidade na execução.
Os fatores principais de tais problemas são ligados ao enorme crescimento do mercado, que acarretou falta de materiais e principalmente mão de obra especializada. Outro aspecto importante é o aumento da complexidade das licenças, tanto ambientais como urbanísticas, para aprovação dos projetos e para regularização da obra perante o Oficial de Registro de Imóveis, de forma a liberar o repasse de financiamento e entrega das chaves aos compradores.
Como resultado, diversos empreendimentos sofreram atrasos consideráveis, além de outros tantos já prontos, mas que aguardam regularização do auto de conclusão (“habite-se”) ou CND-INSS para permitir o registro da instituição do condomínio, com grande angústia para os adquirentes. Por não ser uma situação pontual, mas sim bastante generalizada no mercado brasileiro, houve repercussões de todo tipo, desde matérias nas diversas formas de mídia, até medidas adotadas pelo Ministério Público.
A falta de mão de obra especializada e a grande rotatividade dos profissionais durante a execução do empreendimento têm gerado também a redução da qualidade dos serviços, com aumento da insatisfação do cliente. Apenas para ilustrar, a imprensa noticiou recentemente a preocupação do governador do Estado de São Paulo com os defeitos construtivos apresentados nos imóveis recém-construídos no programa habitacional paulista.
Como consequência, muitas assembleias de instalação de condomínio de imóveis de diversos padrões – que normalmente eram momentos solenes, em que predominavam a alegria e a satisfação da conquista do imóvel novo – hoje se transformaram em palcos de conflitos e tumultos, em ambiente de clara hostilidade em relação à empreendedora.
Pela nossa experiência na área, podemos afirmar que tal situação se dá menos em virtude dos problemas em si, mas principalmente pela ausência de um canal eficiente de comunicação da incorporadora com seus consumidores. Com raras e louváveis exceções, o serviço de atendimento ao consumidor (SAC) das empresas é completamente ineficiente, sequer respondendo aos questionamentos e solicitações feitas pelo consumidor, tanto por telefone, quanto via eletrônica. Em alguns casos, o adquirente não recebe qualquer resposta a questões simples, tais como “para quando está prevista a entrega da obra” ou “quais os documentos que devo apresentar para obter o financiamento”. A insatisfação leva até à criação de páginas e grupos em redes sociais, com sérias críticas à empresa.
Como os consumidores se sentem desamparados e impotentes, a assembleia geral de instalação acaba sendo o momento da desforra, em que finalmente ele poderá estar diante de representantes da empresa para demonstrar, de forma muitas vezes inflamada, seu descontentamento. Além do ambiente desagradável, a assembleia acaba sendo improdutiva e desgastante, pois os temas são desviados para o trato de problemas individuais, já que o consumidor sente que não terá outra oportunidade para tanto. Em tais situações, é necessário comando técnico para que tal desvirtuamento não leve até mesmo ao tumulto geral.
Embora as empresas estejam investindo na solução para os problemas de atraso de obra, regularização documental e qualidade de construção, é fundamental – e às vezes gera resultados mais rápidos – melhorar a comunicação com os clientes, durante todo o desenvolvimento da obra. Ainda que não possa ser dada uma solução imediata aos problemas ocorridos, o simples fato de o consumidor se sentir ouvido e sentir que a empresa demonstra preocupação em tratar de seu caso reduz em grande parte os conflitos e o clima beligerante, podendo inclusive evitar enorme números de medidas judiciais.
*Advogado especializado em direito imobiliário, formado pela Universidade de São Paulo. Integra a Diretoria do Conselho Jurídico do Secovi (SP), é professor de Direito Imobiliário do curso de pós-graduação da Escola Politécnica da USP e sócio do escritório Bicalho e Mollica Advogados.