Você que pagou cursinho por seis ou sete meses, alguns por um ano, perdeu festas, baladas, teve de comprar livros e apostilas, passou noites em claro conferindo resultados, gabaritos, concursos anteriores, acordou cedo, correu para pegar os portões abertos, sentou-se, abriu o material de prova, respondeu às questões e agora, pela segunda vez, viu o concurso do ENEM anulado por trapalhadas do Ministério da Educação, tem direito a uma indenização razoável.
Toda vez que o Estado (no caso a União e seu braço educacional, o MEC) causa um prejuízo aos contribuintes, tem o dever de indenizar. Está na Constituição, no Código Civil, no Código do Consumidor e em toda a legislação correlata brasileira.
A prova do erro é patente. Mesmo que não fosse, cabe ao MEC provar que não errou e não ao estudante provar que está com razão. O serviço público tem de ser de boa qualidade, sem falhas, sem erros. O “errar é humano” não se aplica à máquina pública.
Ao anular uma simples questão que seja (no caso, a suspeita é de todo um caderno, além de outras falhas no cartão de informações preliminares que o aluno tem de preencher), todo o concurso está comprometido. Primeiro porque é óbvio que os que “acertaram” com a questão errada, terão diminuídos seus pontos e poderão reprovar. E os que “erraram” com a mesma questão terão mais pontos quando ela for anulada.
Isso é tão primário que nem deveria estar sendo discutido!
Nem estou falando sobre o aluno que foi apanhado em flagrante divulgando a prova por celular. Só esse fato já compromete a intenção do MEC em “manter” os resultados do atual ENEM ou, pior ainda, realizar “parte” das provas novamente para evitar danos a alguns estudantes. Não há a mínima chance desse procedimento resolver o enorme embrulho em que se envolveu o Ministério.
A melhor, a mais honesta, a mais correta decisão do MEC seria aceitar que o concurso está nulo, que deve fazer outro, e isso, naturalmente, impõe uma indenização dos estudantes contra a União.
A indenização envolve a parte material, consistente em todos os gastos que os pais ou os alunos tiveram com cursinhos, professores particulares, escolas, livros, transporte e tudo o mais que envolveu o concurso.
A parte não-material é a indenização por danos morais, o estresse do aluno durante as provas e o fato de ver seu resultado anulado! A angústia. O medo. A decepção. A frustração que se abate sobre o aluno, capaz mesmo de fazê-lo desistir de tudo e abandonar o estudo.
O governo não é confiável. Pelo menos, passou essa idéia, após duas anulações. Cabe ainda, independente do processo que o estudante tem à disposição, uma ação popular para obrigar o Ministro e sua gráfica de preferência a restituírem os 75 milhões cobrados pela organização (ou desorganização) da prova.
Essa ação do aluno independe de sua participação em novo concurso. É direito seu realizar nova prova. E além disso, tem direito à indenização pelo penoso estresse sofrido.
O aluno pode procurar o Ministério Público ou a Defensoria Pública para propor a ação, já que se trata de interesses coletivos. E, em grupo, fica melhor para acionar o Estado.
Sofreu no primeiro concurso e agora vai sofrer novamente. Ao sentar-se para fazer a prova o aluno será perturbado pela pergunta: esse concurso valerá ou será também anulado?
Para concluir, só a impunidade, só o perdão que concedemos a esses administradores trapalhões é que levam o país a esse nível de desorganização. Cada vez que permitimos a esses burocratas escaparem ilesos, sem pagar um tostão de indenização ao povo prejudicado, estamos tornando o nosso país um lugar pior para viver, um ambiente pouco confiável.
Então, não deixemos esse erro passar em branco mais uma vez.
João Campos é advogado especialista em Direito do Consumidor