Para a concessão do refúgio, o direito internacional exige que a imigração seja motivada por um temor de perseguição por razões de etnia, religião, opinião política, nacionalidade e pertencimento a um determinado grupo social, ou, ainda, pela existência de uma situação de violação massiva dos direitos humanos provocada por agressão estrangeira, conflitos internos ou outras perturbações da ordem pública de causas humanas.
Os chamados refugiados ambientais – pessoas obrigadas a fugir do seu país de origem por problemas ligados ao meio ambiente – não são, assim, abrangidos pelo conceito de refugiado. Por tal razão é que o Conselho Nacional de Refugiados (Conare) vem negando os pedidos de refúgio dos imigrantes haitianos. Alternativamente, contudo, o Conselho Nacional de Imigração – CNIg, órgão vinculado ao Ministério do Trabalho e Emprego, decidiu conceder-lhes o visto humanitário.
Embora tal iniciativa seja digna de aplausos – tendo em vista que, corretamente, reconhece a preponderância dos Direitos Humanos sobre a legalidade estrita –, o próprio fato de ela depender de ato de natureza decisória mostra que o sistema não se encontra adequadamente estruturado, eis que a proteção aos Direitos Humanos não pode se sujeitar à liberdade de escolha do governo do momento ou de seus órgãos.
É que a decisão de conceder ou não visto a alguém é uma decisão discricionária do Poder Executivo, e tem, por isso, caráter constitutivo; é dizer, os requerentes não têm direito ao visto – o governo concede se quiser. De outro lado, a condição de refugiado impõe um ato vinculado ao governo, que apenas reconhece que determinada pessoa se enquadra na definição de refugiado e que, por consequência, tem o direito à concessão do refúgio e a todos os direitos daí decorrentes. Neste caso, o governo não tem escolha: ele é obrigado a conceder o refúgio.
Mas para que os haitianos fossem reconhecidos como refugiados seria necessário que tal status fosse estendido aos migrantes ambientais. Num planeta em que, segundo a Universidade das Nações Unidas, existem 50 milhões de pessoas fora do seu habitat de origem por problemas ligados ao meio ambiente, e que o aumento do nível do mar causado pela ação humana coloca em risco inclusive países inteiros, como é o caso de Tuvalu e Maldivas, a inclusão da migração ambiental como base suficiente para a concessão do refúgio é absolutamente necessária para uma adequada proteção aos Direitos Humanos.
O governo brasileiro poderia, assim, ter avançado mais, assumindo uma posição de vanguarda, se, mediante uma interpretação sistemática e teleológica dos documentos internacionais de proteção dos Direitos Humanos, tivesse reconhecido os haitianos como refugiados. Teria sido um ótimo exemplo que o Brasil, sede da próxima conferência mundial sobre Meio Ambiente, a Rio+20, e recém-ingresso na categoria dos global players, poderia ter dado ao mundo.
(*) Fábio Henrique Rodrigues de Moraes Fiorenza Juiz Federal em Mato Grosso e mestrando em Direito Ambiental.