No mais íntimo de cada cidadão sério e politicamente consciente existia a ilusão que o bicheiro Carlinhos Cachoeira compareceria à Comissão Parlamentar Mista de Inquérito disposto a reprisar o teatro de chicotes do ex-deputado Roberto Jefferson em 2005. Em primeiro momento, seu silêncio ganhou dos veículos de comunicação a frustrante e apressada classificação de teatro de moscas.
Naquela tarde de terça-feira, 22 de maio de 2012, diante de deputados, senadores e da opinião pública, o contraventor fez valer seu patrimônio jurídico. Por óbvio, fê-lo balizado por seu excelentíssimo advogado de defesa Márcio Thomaz Bastos, ex-ministro de Estado da Justiça do governo Luiz Inácio Lula da Silva. Constitucionalmente, o bicheiro tem o direito de não gerar provas contra si, para desgosto de uma nação que ainda espera ver as verdadeiras entranhas desse escândalo continental.
Ouso discordar do depoente e de seu ilustre advogado. Por mais que o silêncio possa ser utilizado como supremo direito, neste caso o calar de Carlinhos Cachoeira (e de todos os demais convocados pela CPMI) configura a mais retumbante confissão. Não por acaso, conforme os mais conceituados dicionários de língua portuguesa, calar também significa penetrar. O bicheiro não apenas ficou calado. Fez cala no escândalo. A fiança do silêncio foi-lhe a guilhotina.
No século XVII, o duque francês François de La Rochefoucauld asseverou com maestria: “O silêncio é o partido mais seguro de quem desconfia de si mesmo”. Não há mais dúvidas de que o crime organizado deixou as sombras e se instalou confortavelmente à luz dos corredores palacianos de poder. Poder implica disputa. Disputa por poder quase sempre leva à traição. Visivelmente abatido, mas sempre sorridente, Carlinhos Cachoeira foi silenciado por sua própria consciência dos vastos crimes cometidos e pela certeza de não poder confiar em seus cúmplices.
Não existe cachoeira taciturna. Até os títeres de advogados badalados, cometem o gravíssimo crime de perjúrio. Aos que acreditam que o bico fechado do bicheiro possa tê-lo ajudado, ou a seus confrades, está muito enganado. Em amplo sentido, o silêncio do depoente capitula mais uma página da degradação das instituições brasileiras que, de tão corroídas, mais cedo ou mais tarde irão desabar.
Quando a casa cair – e ela cairá! – irá esmagar os cupins, ratazanas, baratas e todos os insetos parasitários que infestam os três Poderes. Nesse dia, quem silenciou vai se arrepender. Mas será tarde demais. Até porque, ao guardar silêncio diante da ética e da honestidade já terá sido bastante eloquente. Reitero: não há cachoeira taciturna.
Política é um processo dinâmico. Democracia é uma construção perseverante. Especialmente nesta nova era digital esses conceitos ganham a amplitude e a liberdade promovidas pela explosão horizontal da informação, que faculta às consciências o veredicto de seu tempo. Essa é a estrada da qual ninguém escapará. O silêncio de culpados e inocentes é, tão somente, uma escolha anacrônica da velocidade com que se caminha.
Helder Caldeira é escritor, jornalista a apresentador de TV