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Câmbio, uma guerra silenciosa e cruel

 O ministro da Fazenda, Guido Mantega, acertou em cheio ao declarar publicamente que vivemos uma verdadeira guerra monetária mundial. Para que sua imagem fosse perfeita, faltou apenas que adicionasse um adjetivo -não declarado- para descrevê-la.
O ministro foi a única autoridade internacional a ter coragem de denunciar a tentativa de usar as taxas de câmbio desvalorizadas como instrumento de estímulo ao crescimento. Fica fácil entender a ousadia do ministro brasileiro: nosso país é um dos que mais vêm sofrendo as consequências negativas dessa guerra escondida.
Mas, se o ministro acertou em cheio em sua denúncia, a decisão de dobrar o valor do IOF, cobrado na entrada de dólares para aplicação nos gordos juros pagos pelo Tesouro brasileiro, mostra que ele ainda não entendeu a dinâmica atual dos mercados de câmbio.
Foi importante dar nome aos bois no momento em que as lideranças mundiais evitam falar publicamente sobre essa questão. Mas o próximo passo será discutir a questão de forma clara e abrangente nos fóruns internacionais, como os próximos encontros do FMI e do grupo dos 20.
O leitor precisa entender que a guerra de moedas ocorre já há muito tempo e o que estamos vendo agora é uma situação extrema devido à forte recessão econômica no mundo desenvolvido.
Várias economias importantes, como o Japão e a Coreia, e, mais recentemente, a China, usaram de forma sistemática a arma de moedas desvalorizadas em relação às dos países mais ricos -principalmente em relação ao dólar americano- para crescer de forma sustentada.
Mesmo o Brasil usou em seu passado de crises a arma da moeda fraca para dar sustentação às nossas exportações, principalmente as de produtos industriais.
Mas, como a história nunca se repete da mesma forma, a crise bancária nas nações desenvolvidas mudou o cenário mundial e fez com que a política cambial dos países asiáticos ganhasse outra dimensão. Com o crescimento chinês sustentando as economias emergentes e os EUA e a Europa lutando para sair da recessão, a equação do câmbio desvalorizado mudou de sinal.
Em outras palavras, são agora os EUA, a Alemanha e a Itália que precisam exportar para o mundo em desenvolvimento e tentar reverter o quadro recessivo e de altos índices de desemprego em que estão mergulhados. Para tanto, o dólar e o euro precisam se desvalorizar em relação às moedas das nações emergentes para viabilizar o crescimento.
Mas, como sempre acontece nos momentos mais difíceis da economia mundial, não há ainda condições políticas para fazer esse movimento de forma coordenada. E, sem uma atuação conjunta dos bancos centrais no processo de corrigir e de estabilizar as taxas de câmbio, a probabilidade de sucesso de iniciativas isoladas, como a do governo brasileiro, é muito baixa.
O caso do Japão talvez seja mais representativo dessa afirmação de que o ativismo isolado do ministro Mantega está fadado ao insucesso.
Recentemente, o governo japonês mobilizou quase US$ 30 bilhões para tentar trazer o iene para um nível menos destruidor da indústria japonesa e, menos de um mês após esse movimento agressivo, a moeda está mais forte do que antes.
Se o Japão, com juros de 0% ao ano e com uma capacidade de intervenção nos mercados muito maior do que a nossa, não consegue isoladamente evitar o fortalecimento de sua moeda, imagine o Brasil. Com os juros de longo prazo dos títulos emitidos pelo governo brasileiro próximos de 12% ao ano, a decisão de agir isoladamente me parece algo semelhante a "enxugar gelo".
Enquanto escrevia esta coluna, o secretário do Tesouro norte-americano, Timothy Geithner, veio a público propor uma discussão séria e articulada para pôr fim a essa guerra surda.
Os EUA foram parte fundamental para viabilizar a política de moedas fracas adotadas pelas economias da Ásia até hoje, mas já não têm mais condições financeiras e econômicas de continuar com esse papel.

Luiz Carlos Mendonça de Barros é economista da USP