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Opinião

Clube da cultura

A iniciativa do vale-cultura pelo governo federal é bem-vinda e oportuna em relação ao desafio de democratizar o acesso à cultura, estimular as indústrias nacionais diante do poderio dos conglomerados estrangeiros e transferir o esforço da produção ao consumo cultural, no entanto as críticas que se têm feito ao projeto também mostram a sua pertinência em descortinar as incoerências atuais de um velho anseio.
Para esclarecer, o vale-cultura trata de um cartão magnético que será concedido, nos moldes de um vale-transporte ou vale-refeição ou outro vale que logo inventarão, aos trabalhadores de até cinco salários mínimos cujo crédito incentivará inicialmente com R$50 o investimento no consumo de cultura. Já se reconheceu que o valor é baixo, mas falemos do objetivo da iniciativa.
A previsão de seus idealizadores é de que entre 12 e 14 milhões de cidadãos brasileiros serão beneficiados com a compra de livros, CDs e DVDs e a entrada a concertos, cinemas e teatros. Muitos destes nunca entraram numa sala de cinema ou teatro. Vivem pior só por causa disso?
A pergunta primordial que me surge é: qual é o entendimento de cultura de que o governo federal parte para sugerir que um segmento dos brasileiros poderá finalmente dispor de R$50, ainda com perspectiva de aumento do valor, para gastar num setor que, até onde se sabe, sempre teve sua economia consolidada e expandida no mercado brasileiro, como o fonográfico?
Informação do Ministério da Cultura indica que apenas 13% da população brasileira têm acesso a “manifestações culturais”. Como se um jogo de cartas entre amigos no fim de semana, ou uma festa junina promovida no bairro, ou um grupo musical que não conseguiu ainda uma gravadora não representassem manifestações de cultura.
O vale-cultura serve às grandes indústrias no Brasil e relega, como de praxe, a cultura popular, de rua, de gente simples, mas que, não por isso, tem menos cultura.
O povo brasileiro poderá escolher entre as opções disponíveis de consumo cultural, mas entre as instituições que disporão do serviço de cartão magnético, que certamente não serão os pequenos. Ademais, o discurso de que o investimento se transfere do produtor ao consumidor não se justifica porque, no final do ciclo, o dinheiro chega àquele em sua plenitude. Estas tais críticas ao projeto são consistentes, não acha?
Em se tratando de um país profundamente desigual, é uma ilusão acreditarmos que o vale-cultura materializa uma política pública de defesa das diversidades culturais. Há os que pregam maior investimento em educação básica para que o cidadão desenvolva maior consciência de suas escolhas e cobrança de políticas que considerem o Brasil a longo prazo. Sou um deles.
Quero me deter neste ponto ao abordar o assunto do vale-cultura porque ainda é cedo para fazer julgamentos. Falta tramitar, aprovar e aplicar. Ainda que a iniciativa tenha boa intenção, é preciso cultivar no nosso país uma consciência e um sentimento do que temos que fazer para criar, expressar e obter cultura. O cartão magnético só dará passagem ao clube da cultura.

Bruno Peron Loureiro é bacharel em Relações Internacionais