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Colombinas, pierrôs e os direitos das crianças

No ano do seu vigésimo aniversário (1990-2010), o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Lei 8.069/90, ainda reserva desafios para afirmação da cidadania infanto-juvenil no Brasil. O ECA é resultado da normatização da Doutrina da Proteção Integral, fundamento filosófico da Convenção de Direitos Humanos das Crianças promulgada pela ONU em 1989 que, entre outros princípios, consolida crianças e adolescentes como sujeitos de direitos fundamentais (entre eles o direito ao lazer e à cultura) em peculiar processo de desenvolvimento pessoal, tudo na forma do Artigo 227 da Constituição Federal de 1988.
Neste contexto de desafios sociais, foram se definindo através da distância entre a norma estatutária e a realidade vitimizadora de crianças e adolescentes o tema da exploração sexual. O tema da exploração sexual de crianças e adolescentes está inserido no contexto das violências sexuais que se expressam de várias formas na sociedade. Entre estas manifestações podemos citar o abuso sexual intra-familiar ou fora da relação familiar; a comercialização de crianças para o sexo; a exploração sexual propriamente dita ou até mesmo as manifestações que promovam a exposição precoce da sexualidade de crianças e adolescentes.
Efetivamente, o caso da pequena Júlia Lira, de apenas 07 anos, nomeada Rainha da Bateria da Escola de Samba Unidos do Viradouro, aparentemente, não se ajusta a nenhuma destas variáveis que acima descrevemos. Aparentemente! O que se sugere para a pequena Júlia é a ocupação de um posto, o desempenho de um papel que, tradicionalmente, se impõe pela cultura do carnaval, um forte apelo sexual, e que, em razão disso, tal função, em muitos casos, é inclusive objeto de disputa e comercialização no meio artístico.
De fato, é recorrente a exposição erotizada de crianças e adolescentes no meio artístico ou mesmo no ambiente doméstico. Temos testemunhado isso. Estas aparições e manifestações, patrocinadas por adultos, de maneira subliminar, vão incutindo no consciente e inconsciente da sociedade um juízo de tolerância que estudos e a literatura autorizada denomina de processo precoce de sexualização da infância.
A quem interessa isso? Sem dúvida, aos exploradores sexuais que vão extraindo do silêncio da sociedade o consentimento necessário para a perpetuação de suas práticas pedófilas vitimizadoras.  Afinal, a culpa é sempre da criança ou da adolescente que os provocou.  Efetivamente a pequena Júlia está protegida pela flagrante dedicação e pelo o amor demonstrados por seus pais.
Mas como ficam as centenas de milhares de crianças no Brasil que não possuem a proteção natural que acima mencionamos? Deixemos como alvo certo para exploração? Seria correto, em nome de uma agenda do carnaval, nos silenciarmos e somarmos forças a esta negativa tolerância que vai se legitimando através dos aparentes pretextos artísticos? Certamente não!
A cultura e o lazer são direitos das crianças e dos adolescentes e um dever do Estado garanti-los de maneira saudável. Como também é dever do Estado (sentido amplo), através de seus órgãos públicos, como o Conselho Estadual de Defesa dos Direitos das Crianças, o Conselho Tutelar e o Juizado da Infância e Juventude, através de suas funções e competências, na forma da Lei 8069/90, zelar pela proteção das crianças e dos adolescentes, inclusive, no carnaval.
Desta maneira, o caso da pequena Júlia, de 07 anos, apenas reflete um dos desafios que estão colocados nestes vinte anos do Estatuto da Criança e do Adolescente na sociedade moderna: transformar a cultura do silêncio nos casos de violências sexuais de crianças e adolescentes numa bandeira de luta em nome da cidadania infanto-juvenil.
No dia 08 de fevereiro de 2010, a Secretaria Especial de Direitos Humanos, órgão vinculado a Presidência da República, em cooperação com o CEDCA/RJ – Conselho Estadual de Defesa da Criança e do Adolescente do Estado do Rio de Janeiro, estará lançando a Campanha Nacional de Enfrentamento à Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes no carnaval na Cidade do Rio de Janeiro.
Trata-se de mais uma oportunidade para refletirmos, em nível nacional, sobre a responsabilidade da sociedade brasileira na questão, sendo certo que, no carnaval, não pode haver um descompasso com os direitos humanos na avenida, sob pena de perdermos pontos por atravessarmos o principal enredo da vida que é o respeito à dignidade de todos, especialmente de crianças e adolescentes.

Carlos Nicodemos é presidente do Conselho Estadual de Defesa da Criança e do Adolescente do Estado do Rio de Janeiro