É importante lembrar o que Bleger nos ensina (1963): na perspectiva psicanalítica as dificuldades de quem tem TDAH devem ser compreendidas num registro dramático, como acontecer humano, que não admite reducionismos, que operam pela via da concepção do corpo-máquina ou pela via do corpo-animal, a ser recondicionado comportamentalmente. É importante lembrar que tratamentos que demandam um afastamento do plano vivencial, aumentam o risco de fortalecimento de defesas dissociativas que impedem o viver saudável. Estes tratamentos se referem a ignorar a necessidade da criança ser medicada ou ignorar que a família precisa de acompanhamento psicológico para que seu filho tenha uma melhora efetiva.
Segundo Bleger, o ser humano pode ser estudado por várias ciências, sendo que cada campo disciplinar focalizará um conjunto de qualidades do mesmo fenômeno. Cabe à Psicologia estudar intersubjetivamente os fenômenos da conduta, que se expressam em três áreas: mente, corpo e atuação no mundo externo. Assim, no caso do TDAH os fenômenos mentais não causam a hiperatividade, bem como os fenômenos corporais não são causa de fenômenos mentais, já que sua visão é dialética e se diferencia daquelas correntes que estudam o homem segundo um paradigma sujeito-objeto.
O TDAH é um problema no funcionamento do cérebro da criança influenciando diretamente nos processos mentais da mesma e na sua relação com o ambiente escolar, familiar e social. Desta forma o cérebro tem que ser tratado, os fenômenos mentais tem que ser analisados e, a escola e a família tem que serem orientados.
Deste modo, a conduta humana está em constante devir, fazendo parte de um processo dialético, multiforme e contraditório, com base no materialismo dialético que, segundo Bleger (1958), sustenta que todas as pessoas estão em permanente interdependência com o mundo externo, com o corpo e com a mente, de tal maneira que não há fatos isolados e a influência que se dá entre eles é uma permanente ação recíproca. Assim, apenas medicar a criança resulta em muito pouco, bem como mandar os pais se analisarem resulta em quase nada e, não orientar os professores é como colocar todos os esforços água abaixo.
A permanente ação recíproca é o movimento do próprio existir, de tal maneira que tudo muda e se transforma, nada é estático. De fato, o próprio movimento se torna criador, dando lugar ao aparecimento de novos fenômenos e descobertas, o que, desde a perspectiva psicológica, configura-se como dramática.
A dramática humana é a história de vida das pessoas e dos grupos, que se vincula aos demais e se relaciona com acontecimentos humanos, tal como são subjetivamente vivenciados. A Psicologia se ocupa dos múltiplos sentidos presentes nas concepções humanas. Pensando o imaginário coletivo como conduta, no sentido blegeriano, adotamos uma perspectiva que busca a compreensão emocional do ambiente humano no qual se desenrola dramaticamente o viver das pessoas, neste caso com TDAH.
O que se passa no imaginário coletivo sobre esta questão é muito importante, pois frequentemente está vinculado ao preconceito e a discriminação. Essa questão justifica um olhar sobre uma problemática que gera grande sofrimento humano, para que o tema não seja tratado apenas como mau funcionamento do corpo considerado como máquina, cujos defeitos devem ser reparados, como se aí não se tratasse de manifestação da natureza humana. Pensamos, então, que olhar o TDAH de forma integrada com outras ciências e o ambiente escolar e familiar pode colaborar efetivamente com a melhoria da qualidade de seus portadores e da sociedade como um todo.
Paulo César Ribeiro Martins é Doutor em Psicologia pela PUCCAMP e professor da AEMS/UEMS/FIPAR