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Opinião

Culto ao totalitarismo

Pessoas pedem o retorno dos militares ao poder

Tenho refletido, recorridamente, nos últimos dias, sobre as passeatas em São Paulo em que cerca de quatrocentas pessoas pediriam o retorno dos militares ao poder por meio de “intervenção” e o regresso de uma página histórica há muito recusada pela imensa maioria da população brasileira.

Dito de outra forma, algumas pessoas no país, gozando de um espaço absolutamente democrático, estão a reivindicar o retorno de uma tradição histórica completamente avessa à democracia. Poderíamos pensar que se trata de uns poucos (afinal, são meros 400 seres andantes num universo de 16 milhões, apenas em SP…), mas inquieta-me a ideia de que se possa, seriamente, afirmar, num regime democrático, por sua abolição (alguém me poderia citar algum regime militarizado de poder em que a democracia reine?!…).

Daí, sou forçado a repensar se um modelo democrático de regime toleraria qualquer forma de manifestação… Explico: seria aceitável se, hoje, na Alemanha contemporânea, uma república democrática, determinadas pessoas saíssem às ruas reivindicando o retorno do nacional-socialismo, ostentando suásticas nos braços e acenando com aquele cumprimento rígido que se fazia ao Führer?!

Logo, a Democracia contemporânea, parece-me, ostenta estreitos e determinados limites: ações que, historicamente, restaram reconhecidas como crimes contra os direitos humanos – de lesa-humanidade – não podem ser objeto de reivindicação, porque agridem, frontal e letalmente, a própria essência do regime democrático.

Poderia eu, aqui, citar a própria Constituição Federal (CF/88), que veda, explicitamente, a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático. Alguém, então, responderia que, nas manifestações citadas, as pessoas não estariam “armadas”. Bem, semanticamente, discutível seria apontar que a CF/88 se refira exclusivamente a armamento de fogo, logo… Uma determinada ideologia, de cunho fascista, também pode ser referenciada como “arma”, em sentido lato.

Nessa perspectiva, retomando a linha histórica e primando pela defesa intransigente dos Direitos Humanos, sou forçado a declarar que manifestações reivindicando o retorno de militares ao poder, com o passado de 21 anos legado enquanto comandaram o país (sem mencionar outros episódios, como o Estado Novo ou a própria criação da República…), correspondem, em gênero muito similar, à defesa de ações contrárias à ordem constitucional e ao Estado Democrático e, nesse sentido, configuram ato ilícito inquestionável. Dito de outro modo: a reivindicação de intervenção militar no Brasil contemporâneo tem o mesmo tom dos pleitos de ressurgimento do fascismo e do nazismo em determinadas regiões da Europa. Daí, sua total inadmissibilidade pelo Estado Democrático, que necessita criar momentos e espaços destinados a salvaguardar os Direitos Humanos contra tais reivindicações. Nesse sentido, talvez, a reafirmação da vigência constitucional normativa, naquela versão jakobiniana, tenha sentido: proteger o Direito e o Estado Democrático – e os direitos humanos fundamentais – para (e até contra) o próprio ser humano.