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Cultura e a redoma de abstração

 A 13ª Conferência Ibero-Americana de Cultura comportou a união de boa vontade com propostas para a região. As reuniões do âmbito de cultura costumam limitar-se a formalidades e retóricas de burócratas que resignam ao orçamento exíguo que o Estado lhes destina, porém esta contou com experiências sólidas e perspectivas alvissareiras.
A música foi um dos temas mais debatidos neste encontro entre ministros de 18 países em Buenos Aires em 11 de setembro de 2010 a fim de discutir projetos de integração cultural ibero-americana e trocar experiências. Brasil, Cuba, Espanha e Portugal estiveram entre os países participantes, o que realça o interesse das ex-metrópoles ibéricas de acessar o circuito cultural latino-americano.
Há um processo de desagregação cultural na América Latina que se promove desde países mais desenvolvidos tecnicamente, como Estados Unidos e França. A indústria cultural destes países é tão madura que precisam hoje de muito menos incentivo estatal que na América Latina para sobreviver e crescer, como no cinema.
O setor cultural prospera quando as ações de governo e as da iniciativa privada complementam-se de modo a evitar que incida respectivamente sobre elas o dirigismo e a ganância excessiva sobre bens patrimoniais e simbólicos.
O incentivo à criação de programas culturais e o pedido de maior orçamento para o setor foram algumas demandas na reunião. O Brasil apresentou seu projeto de alteração na lei de direitos autorais e alguns programas na área de música, museu e teatro.
Sugeriu-se o aumento da cooperação multilateral e discutiu-se a criação de um fundo cooperativo que estimule a integração cultural dos países mais pobres da região de tal forma a compensar as assimetrias.
A cultura tem conquistado um espaço importante nas discussões sobre políticas públicas, porém fora da redoma de abstração que a isolava de outros campos do desenvolvimento. O Mercosul Cultural e a Organização de Estados Ibero-Americanos têm favorecido relações úteis entre cultura e educação, cultura e economia, cultura e política.
É incompleto, portanto, o desenho de políticas públicas para a educação que desconsiderem a bagagem cultural dos jovens que crescem num mundo informatizado, ou o impacto das indústrias audiovisuais no produto interno bruto de um país ou um bloco de integração, ou o que motivaria um cidadão responsável a votar em candidatos lúdicos nas eleições de um Brasil em que se diz que "pior que tá não fica".
A América Latina já possui diversidade e valor cultural em excesso. O salto qualitativo que falta é a habilidade de transformar este potencial em ferramentas criativas de desenvolvimento, renda para seus cidadãos através do fortalecimento da economia cultural e impulso educativo. Sobre este ponto, o estigma de aprender deve transformar-se num prazer, um desejo de elevação espiritual e intelectual.
Nação que se constroi sob manto cultural que não lhe pertence é a expressão hodierna de uma colônia. O Brasil continuará nesta categoria enquanto tiver atores que forcem sotaque italiano em telenovela, serviços de "delivery" em vez de "entrega" de pizzas, e o filme estadunidense for confundido com O Cinema.
É com propósito sublime que a capital argentina hospedou a 13ª Conferência Ibero-Americana de Cultura. Finalmente a cultura ganha constância e destaque como tema de cooperação e integração entre os tomadores de decisão.
Um dos temas pendentes no Brasil é a viabilidade de acrescer R$3 na conta mensal de todos os usuários de internet em banda larga com o objetivo de repassar aos autores de obras audiovisuais o valor que deixam de arrecadar com a pirataria. Quantos destes internautas, porém, não baixam músicas nem filmes?
As reuniões de ministros de cultura, como a da 13ª Conferência, situam temas relevantes para o desenvolvimento das sociedades latino-americanas. Tomara que a tal da Carta Cultural Ibero-Americana, que prevê um plano de criação de projetos culturais, trace diretrizes que aposentem a retórica e adotem a ação.

Bruno Perón é bacharel em Relações Internacionais