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Da inflação para a insatisfação

Está claro que existem inúmeras formas de interpretar o porquê das manifestações ocorridas em todo o país. Podemos percorrer várias vertentes de análise, desde aquelas do ponto de vista social, psicológico, econômico e até a observação sob um viés psicanalítico. A origem dos protestos tem sido alvo de reflexões dentro do que podemos chamar de núcleo pensante da intelectualidade brasileira. Explicar fenômenos sociais teorizando-os de maneira simplista é um caminho perigoso e pouco abrangente.

Isto posto, vamos apenas nos aventurar a conjecturar sobre fatos que podem ter relação com o ocorrido. É importante salientar que os protestos não são elaborados, tampouco surgem das camadas mais pobres da população. Como todo movimento diante da história, este é oriundo da classe média estudantil, beneficiada com programas de acesso à universidade, que incluiu inúmeros jovens que, de certa forma, foram politizados pela informação digital, e acima de tudo jovens de uma geração despolitizada, trazendo no bojo de sua idealização a aversão ao partidarismo – seja ele qual for. Acredito, entretanto, que seja direcionado, em sua maioria, contra o Partido dos Trabalhadores, mais por mera insatisfação do que por ideologia.


É bem verdade que grande parte dos jovens filhos de petistas, que via seus pais no anseio de um Brasil melhor, empunhando bandeiras vermelhas, decepcionou-se com o PT. Para sublinhar uma posição pseudopolítica e contrária a de seus pais, esses jovens revoltam-se contra o atual governo; por outro lado, filhos daqueles que sempre odiaram o Partido dos Trabalhadores, e, ouvindo o destilar conservador da oposição, perpetuaram um ódio intrínseco, extravasado nesse momento, num grande brinde à despolitização e, para completar, uma manifestação da aversão a qualquer partido. Para estes, a democracia seria representada pelo mero ato de sair às ruas, e o Brasil, numa utopia, funcionaria ‘democraticamente’ sem as instituições ditas democráticas a garantir nossos direitos.


Mas não resta a menor dúvida de que o estopim de toda movimentação são a inflação, a volta do gasto público e a corrupção. Esses jovens foram formados para o questionamento de um modo que fogem à representatividade, fogem às formas tradicionais de liderança, isso fruto puro e simples da política assistencialista do governo, que oferece benesses por votos, dos mensaleiros impunes, dos gastos desnecessários em detrimento dos mais nobres interesse públicos, como investimentos na saúde e na educação. 


Entender é difícil, mas desconfiar é fácil. Talvez o governo tenha demorado demais para desconfiar de que uma hora tudo tem seu limite, mesmo que o fim desse limite tenha assumido a forma de caminhada pelas ruas em vestes brancas num grito de paz….


*Fernando Rizzolo é Advogado, jornalista, Mestre em Direitos Fundamentais, membro efetivo da Comissão de Direitos Humanos da OAB/SP,  articulista colaborador da Agência Estado. www.blogdorizzolo.com.br, [email protected]