*Semy Ferraz
Como uma onda, é recorrente no Brasil a falsa ideia de que democracia é sinônimo de desperdício e corrupção. Esse mito vem do início da República, tempo em que os “coronéis” (senhores de terras) mandavam e não queriam dividir seu poder com os demais. Isso, inclusive, ficou revigorado deliberadamente durante os vinte e um anos do regime autoritário de 1964, glamourosamente chamado de (sic) “democracia relativa”, quando era voz corrente a lenda de que “o povo brasileiro não está preparado para votar”.
Por outro lado, tal como a vida, a democracia se pratica no município, onde vivem, convivem e se realizam os cidadãos. Daí que, com todo o respeito pelas honradas intenções dos cidadãos de bem que compartilham dessa opinião, mas defender a redução do número de vereadores – seja em nome da contenção de despesas ou sob o pretexto de que o Legislativo municipal é irrelevante –, é requentar o discurso caduco da “democracia de mais ou de menos”, de triste memória.
Minha cidade-natal, Paranaíba (MS), é um exemplo eloquente de que a redução de 13 para nove vereadores não representou economia alguma para os cofres públicos, pois a Constituição Federal de 1988 que define (em seu artigo 29, inciso IV) limites mínimo e máximo no número de vereadores é clara, também, na fixação (em seu artigo 29-A) do percentual do orçamento do município no repasse para a Câmara Municipal, chamado de duodécimo. Independentemente do número de vereadores, o percentual para o Legislativo em municípios com mais de 30.000 habitantes e até 50.000 habitantes é de 7% (sete por cento).
Fica evidente que, independentemente do número de representantes com assento no Legislativo do município, o volume de dinheiro constitucionalmente destinado a esse Poder é o mesmo. No entanto – e nesse sentido o princípio constitucional da democracia representativa precisa ser preservado –, a pluralidade de que se constitui a sociedade em nível municipal fica mais bem representada com 13 membros, e não nove, sobretudo em um contexto pluripartidário com mais de 20 partidos em plena atividade e legalmente organizados no território nacional.
Portanto, mais efetivo que o entendimento simplista de que “quanto menos, melhor”, de outrora, dar plena vigência à democracia preconizada na Constituição Cidadã, além de mais coerente, é de fato e de direito mais democrático. E, para assegurar transparência na administração pública e combater efetivamente a corrupção que há séculos corrói os cofres públicos do Brasil, nada melhor que fazer valer a cláusula pétrea constitucional, que define a democracia como representativa e participativa. Seja por meio dos recursos possibilitados pela internet ou mediante os conselhos de controle social determinados pelo ordenamento jurídico-institucional pós-1988, cabe ao cidadão a fiscalização de todas as políticas públicas (e a aplicação dos recursos de seus respectivos fundos).
Afinal, democracia é transparência, e o respeito pelos princípios da administração pública, entre os quais o da publicidade, passa pelo cumprimento da vontade popular, inclusive na composição da Câmara Municipal numericamente representativa da diversidade de segmentos de opinião e de interesses legítimos e até conflitantes.
Finalmente, toda vez em que o povo – isto é, amplos setores da sociedade – começa a se fazer ouvir pelos governantes, os saudosistas da chamada “democracia relativa” voltam com seus projetos, ora propondo redução do número de membros do Legislativo, ora querendo o fechamento do Parlamento, nas três esferas. Como perguntar não ofende, por que não se propõe algo nesse sentido com relação ao Judiciário?
Aliás, não faltam argumentos para os amantes da “democracia relativa” pretenderem reduzir a vigência da plenitude democrática em nosso País. Em nome do combate à corrupção e sob pretexto de reduzir gastos públicos, até golpe já se praticou no Brasil, basta olharmos o que foi feito entre 1964 e 1985. E é bom lembrarmos que os “paladinos” do nefasto regime não foram devidamente responsabilizados pelos desmandos, abusos e atos lesivos ao erário nacional.