No último dia 03 de agosto de 2009, com a sanção da Presidência da República, passou a vigorar a lei que altera o ECA e o Código Civil, estabelecendo critérios e regulamentando as fases e etapas do processo de adoção de crianças e adolescentes no Brasil. Esta nova legislação, que reúne dezenas de dispositivos, merece um contínuo e permanente debate, constituindo-se como um verdadeiro desafio para a sociedade brasileira.
Neste norte, não podemos nos furtar em refletir sobre algumas questões que estão colocadas no conjunto de fatores que estimularam os Poderes constituídos do Estado brasileiro a patrocinar esta nova legislação. A condição econômica e social de inúmeras crianças, adolescentes e suas famílias que ainda fazem parte de um enorme contingente de exclusão, fora da lógica da cidadania, tem se constituído um dos principais fatores de incremento da chamada condição de abandono que, por conseguinte, tem estabelecido à chamada plataforma da adoção.
Objetivamente o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Lei 8069/90, através do Artigo 23 estabeleceu que a falta de condições econômicas da família natural não pode justificar e fundamentar um processo de destituição de poder familiar por parte do Poder Judiciário. A contradição que se extrai quando se verifica que este dispositivo do ECA está sendo superado por uma nova ordem de concepção de famílias substitutas é uma importante questão que devemos sempre considerar quando tratamos de processos de adoção.
Efetivamente não podemos resumir a política de proteção do direito à convivência familiar de crianças e adolescentes ao aprimoramento do processo de adoção, tendo a colocação em abrigo uma etapa a ser superada. A questão não está no Poder Judiciário e nos processos judiciais.
O ponto focal deste importante problema social, que ora debatemos, está no campo da responsabilidade do Poder Executivo e da sociedade civil, organizada ou não, na formulação em todas as suas instâncias (nacional, estadual e municipal) de políticas e programas públicos que fortaleçam a família, não como um elemento primário de controle social, mas acima de tudo como um direito da criança e do adolescente em viver num ambiente saudável que lhe garanta o pleno desenvolvimento.
Superada esta indispensável preliminar, não podemos deixar de lado os números que são colocados sobre a mesa como resultado de processo de exclusão social e econômica no foco da política de adoção. De acordo com o Cadastro Nacional de Adoção, existem cerca de 80 mil crianças e adolescentes institucionalizadas em Abrigos, enquanto que, aproximadamente 23 mil pessoas (homens, mulheres, jovens, idosos, casais, etc.) estão interessados em recebê-los em seus lares como filhos. A nova lei de adoção (Lei nº12.010/09) está sendo considerada a principal estratégia de aproximação destes dois extremos.
Nesta missão institucional (do Estado) da lei, importante destacar a garantia da criança e do adolescente de serem ouvidos e de seu superior interesse ser considerado para a consolidação da constituição do processo de adoção. Assim ficou norteado pelo Artigo 28 da referida legislação. A primazia de que grupos de irmãos serão adotados necessariamente pela mesma família é uma importante medida para a preservação da identidade social das famílias naturais.
É realista a lei quando permite através do Artigo 42 que divorciados e separados judicialmente possam adotar crianças e adolescentes. Foi conservadora a lei quando não explicitou o reconhecimento da adoção para casais homoafetivos. Neste caso, somente um poderá se habilitar no processo de adoção.
O maior controle sobre as adoções internacionais alinha o Brasil numa agenda mundial de enfrentamento a “exportação” de crianças e adolescentes dos países do hemisfério sul para o hemisfério norte. A garantia do acesso às informações sobre a família natural da criança ou adolescente é um avanço que merece destaque. A formulação de um plano individual para as crianças e adolescentes nos abrigos, estabelecendo prazos de permanência e metas de inclusão social é um importante contra ponto ao histórico processo de institucionalização por tempo indeterminado que vige no Brasil desde o século XVI.
São muitos os aspectos que poderíamos destacar da referida lei. Porém, a principal questão que agora se coloca é operacionalizá-la frente ao sistema de garantia como o direito à convivência familiar de crianças e adolescentes no Brasil e não como pretexto de aprimoramento da política de institucionalização em abrigos. Neste sentido, merece destaque a redação que a lei introduziu no Artigo 88 do Estatuto da Criança e do Adolescente: “mobilização da opinião pública para a indispensável participação dos diversos segmentos da sociedade”. É o desafio da modernidade, é o desafio para sociedade brasileira.
Carlos Nicodemos – Presidente do Conselho Estadual de Defesa da Criança e do Adolescente do Estado do Rio de Janeiro