O terremoto que teve lugar no Haiti em 12 de janeiro de 2010 comoveu o mundo.
Tarde funesta entre tantas outras carências. De país mais pobre e de menor renda per capita da América passou à condição de devastado. A natureza apontou o dedo e escolheu uma vítima geográfica que não teria condições de resistir. Não desta vez.
A exatidão do número de mortos não é o foco do debate. Corre-se o risco de cair na frieza das cifras.
O país divide o espaço de uma ilha com a República Dominicana, tem dez milhões de habitantes e taxa de analfabetismo de 47%. As imagens do pior desastre natural dos últimos duzentos anos no Haiti percorreram o sentimento de solidariedade em todo o mundo. A velocidade foi impressionante.
Vários países autorizaram doações milionárias e enviaram ajuda humanitária na forma de equipes médicas e socorristas, alimentos e medicamentos. O terremoto no Haiti mereceu o destaque que tem tido.
A capital Porto Príncipe ficou sem água, energia elétrica e telefone, ou seja, serviços básicos de infra-estrutura, e quarteirões inteiros foram demolidos em poucos segundos.
A tradução da expressão inglesa para os efeitos do desastre, que tem sido usada na imprensa internacional, é de que a cidade foi “achatada” ou “aplainada”. As imagens são entristecedoras: muita poeira e escombros, corpos soterrados e sobreviventes perambulando sem rumo, crianças desamparadas e famílias armando barracas em lugares públicos. O que era preocupante para as autoridades nacionais virou motivo de angústia.
Escaparam presidiários após o colapso da Penitenciária Nacional, o Palácio presidencial ruiu, e o aeroporto virou uma bagunça. Medo de saques, novos sem-tetos e tráfego aéreo intenso e descontrolado.
O difícil ficou ainda pior no Haiti. Na incapacidade de os governos anteriores tirarem boa parte da população da pobreza, a reconstrução da infra-estrutura passa a ser a prioridade no país. A ajuda internacional é imprescindível para este objetivo. A Minustah, missão de paz das Nações Unidas que age no país desde a deposição do ex-presidente Jean-Bertrand Aristide em 2004, contempla um desafio de proporções maiores.
É árdua a tarefa de reestruturar um país que tem sido, desde a vinda de Colombo ao continente, escoadouro de produtos como açúcar, café, algodão e cacau, base de uma economia agroexportadora. Conhecem-se outros países latino-americanos e caribenhos com história econômica similar.
Ainda, os Estados Unidos tiveram forte presença comercial, militar e política no Haiti ao longo do século passado. O governo estadunidense decidiu repassar cem milhões de dólares para a reconstrução do país devastado. Sobraram uns trocados da crise econômica mundial.
Os Estados Unidos declararam que desejam liderar a reconstrução do Haiti. Querem ficar com o filé. A reconstrução de países e regiões traz sempre boas receitas no futuro. Lembremo-nos do Plano Marshall.
Numa situação de emergência, qualquer ferramenta que esteja ao alcance é útil para a sobrevivência, o resgate e a ajuda humanitária. As imagens da desgraça no Haiti são tristes e estimulam os diversos países a buscarem convergências e reconhecerem formas de cidadania mundial.
O que acontece no Haiti mobiliza outros países como se o mundo fosse uma grande nação.
Costumo buscar informação minuciosa sobre algum acontecimento quando não tenho a oportunidade de experiência direta para sustentar uma opinião. A responsabilidade de elaborar argumentos e posições após rever dados e fatos é grande. A instantaneidade das notícias não pressupõe a deglutição do chiclete, por isso valorizo a reflexão sobre algum acontecimento alheio a qualquer tentativa precipitada de supor antes de estar seguro.
O cenário haitiano foi a vingança da natureza ao país equivocado. Desde um ponto de vista. O conceito de justiça terrena está de um lado e o de cósmica, de outro. Certos eventos fogem do nosso entendimento. As próximas vítimas poderão estar em qualquer lugar, já que a natureza como a entendemos perdeu o controle e não se sabe onde mais apontará o dedo.
Bruno Peron Loureiro é mestre em Estudos Latino-americanos.
Opinião