A construção da reeleição de Dilma Rousseff à presidência da república em 2014 passa inexoravelmente pela desconstrução de Lula no imaginário da sociedade brasileira. É a típica história da criatura que tem que engolir o criador para sobreviver. Essa autofagia faz parte do jogo político e das tragédias humanas. Com Lula pairando sobre nossas cabeças, Dilma não conseguirá sair do casulo eleitoral em que se encontra, mesmo com bons índices de popularidade. Por isso, será preciso trazê-lo ao chão na base de escândalos sucessivos para que se viabilize uma estratégia de manutenção de poder da atual presidente.
Lula já percebeu a malícia do jogo. Tentará lutar contra a corrente, colocando um pouco de lenha na fogueira: volta a falar em candidatura à presidente e em atravessar o País com "caravanas". Está esperneando. A sorte é que não existe oposição organizada para problematizar ainda mais essa tormenta e criar um ambiente que altere a atual lógica de coalizão das forças políticas.
As denúncias de corrupção envolvendo o governo de Lula não cessarão enquanto pairar dúvidas sobre o futuro político do "chefe". Não adianta o PT reclamar: o establishment (inclusive dentro do petismo) não quer mais Lula e ponto final. Vê em Dilma uma referência mais palatável ao modelo de democracia de classe média que sonha para o País. O legado de Lula será diariamente destruído enquanto ele não anunciar(e convencer a patuleia) que está fora do jogo. Resumindo a opereta: o Brasil quer (talvez até inconscientemente) banir o populismo encarnado por setores da esquerda. E isso só poderá ser feito dando um chega pra lá no ex-presidente e seus seguidores.
Fatos: Lula e seu grupo, após as eleições municipais, estavam fazendo o seguinte desenho de cenários dos próximos dois anos: a economia brasileira – na linha de pensamento da revista inglesa "The Economist" – vai desandar; com isso, o governo Dilma vai se fragilizar e oportunisticamente seria entoado o coro do "volta Lula".
Dessa forma, o ex-presidente seria colocado novamente no jogo sucessório, sem maltratar psicologicamente a atual ocupante do cargo, embora criando uma situação de impasse político, frustrando os apetites daqueles que pretendem chegar ao poder nas próximas rodadas ( 2016 e 2018).
Por isso, nem tudo o que vem acontecendo pode ser atribuído a meras coincidências: revelações e mais revelações de esqueletos (reais) do governo Lula vão surgindo, criando um quadro de insustentabilidade político-eleitoral para o PT, que deve aceitar que seu ciclo governamental está no começo do fim. Mas isso não significa necessariamente que o PSDB venha a ser a bola da vez.
Esse é o raciocínio de vários "especialistas" no momento. Esse é o quadro que se desenha para o ano de 2013 em diante. E a pergunta inevitável será: Dilma conseguirá atravessar esse torvelinho de escândalos e de crise econômica sem jogar Lula aos leões? O pragmatismo diz que sim. O sentimentalismo diz que não. Tanto que a presidente vem mantendo uma posição ambígua de ora se esquivar da "herança maldita" e ora comandar a blindagem do ex-presidente. Até quando manterá essa encenação não se sabe.
Mesmo assim, o potencial de desgaste do Rosagate, dos depoimentos de Marcos Valério, do julgamento do mensalão, de ameaças de morte, de obras paralisadas (com custos imensos para a sociedade), da corrupção generalizada, representam obstáculos complicadíssimos a serem superados pelo PT. E todo esse processo negativo conflui na direção de Lula – que até recentemente vinha sendo preservado –, fazendo com que ele se torne uma peça que não se encaixa na dinâmica de mudança de mentalidade do País.
Mais 8 anos de Lula seria demais para o Brasil. Pergunta-se: por que ele não faz como FHC e vai cuidar de seu legado, mostrando em palestras e estudos universitários que é possível obter bons indicadores sociais com política econômicas neoliberais?
Lula não compreendeu que, mesmo que tendo saído do governo com índices estupendos de popularidade, sua presença divide o País. A razão é mais do que sabida: ele é extremamente tolerante com a corrupção, com a inépcia e o aparelhamento do Estado. Essa regressividade não se coadunará mais com o mundo pós-crise, que vem ensaiando uma agenda diferente daquela que a dita "esquerda" latino-americana vem propondo.
Lula foi o presidente no tempo certo (quando houve bonança econômica) e saiu em boa hora ( quando tudo começou a desandar). Diante disso, é bom dizer que nas próximas décadas o modelo político que representou será assunto apenas para acadêmicos. Isso se até lá ele não for jogado na lata de lixo da história. O que no momento é o mais provável que aconteça.
*Dante filho é jornalista ([email protected])