Antes de qualquer pré-julgamento, reafirmo meu compromisso com a liberdade de opinião e a necessidade do contraditório como parte intrínseca da vida democrática. E é respeitando o contraditório que venho exercer igual direito ao expressar meu pensamento. Há vozes que, com argumentos passíveis de um entalhe preconceituoso, tentam desqualificar a posição dos vereadores que votaram a favor do projeto contra a distribuição de preservativos. Carimbam tal atitude de conservadora, fanática, religiosa, fundamentalista…
O laicismo exacerbado de alguns setores busca confundir e, aí sim, promover um preconceito às avessas: tudo que soar contrário à sua visão de sociedade e de mundo deve ser taxado como arroubo medievalista ou "coisa da Inquisição". E então fazem soar as trombetas para anunciar que o Estado é laico. Todos nós sabemos disso.
Não é por ser o Estado laico que as posições subjacentes à construção da cidadania devem impedir cristãos de qualquer denominação religiosa de oferecer suas contribuições ao debate e às medidas que impõem ampla e livre participação da sociedade.
Ateus, agnósticos, estrangeiros com nacionalidade conquistada, católicos, protestantes, espíritas, enfim, todos detêm o direito à opinião, à livre manifestação das suas posições e das suas convicções. Qualquer livro básico de Sociologia, de Direito ou de Relações Humanas preza e orienta para que a humanidade ande nessa direção. François Marie Arouet – nome do grande ensaísta francês Voltaire – já defendia a salutar dinâmica societária quando cunhou a celebre frase: "Mesmo não concordando com o que dizes, morrerei defendendo o direito de dizê-lo".
Não podemos apequenar esse debate, nem estigmatizar as posições divergentes centrando as críticas no viés religioso. Pergunto: se o Estado é laico não deve ou não pode ser dirigido por um cristão? O Parlamento não deveria abrigar representação evangélica? Ou católica? Ou espírita? Qual seria a solução: impedir os seus registros, cassar seus diplomas? Ridículo. Todo poder emana do povo e em seu nome deve ser exercido, reza – opa, corrigindo – preconiza o artigo 1° da Constituição Cidadã.
Considero que o tema da distribuição das camisinhas nas escolas precisa ser visto e tratado no seu formato mais legítimo e adequado, ou seja, o formato republicano. Entendo que a distribuição dos preservativos deve ser feita num contexto de conscientização e de responsabilidade, alicerçado por uma ampla e massiva orientação sexual com livros didáticos, debates e aulas específicas acompanhadas de perto por familiares (associações de pais e mestres). Sem esses cuidados, o poder público e os que defendem a distribuição pura e simples das camisinhas estarão apenas contribuindo para potencializar a banalização e a vulgarização do tema.
Eliminar toda essa formação pedagógica e instrutiva e optar de forma simplista pela instalação de máquinas para distribuição de preservativos aos estudantes é praticar um ato reducionista e inócuo. A camisinha é o último estágio desse processo. O carro foi colocado à frente dos bois. Sexo é uma relação pessoal íntima e intimista, não algo superficial para ser tratado à luz do imediatismo.
Percebemos que Estado vem adquirindo cada vez mais perfil e verniz totalitário. Mutila, atrofia, implementa ações que impendem o surgimento de responsabilidades pessoais e individuais. Esvazia cada vez mais a cidadania, projetando em seus atos normativos a incompetência e a inaptidão da sociedade para resolver questões básicas do cotidiano. Em síntese, o Estado reforça e dá preponderância à idéia de uma tutela social. Essa tarefa, reitero, no meu humilde entendimento, deve ser compartilhada evidentemente com a participação dos pais ou responsáveis. Não me refiro ao modelo tradicional, pois há hoje no Brasil uma imensa legião de mulheres chefes de famílias. Refiro-me ao sentido da família em seu aspecto "real", envolvida em relação de afetividade que não se submetem ao estereótipo "pais biológicos", "pais bíblicos".
Para concluir, discordo da concepção de que a escola é obrigada a atuar como salvação de tudo e de todos os males da sociedade. Indago, então: não estaríamos terceirizando a formação do caráter, da construção do perfil piscológico de nossos filhos às nossas professoras e professores? Não será esta uma das fortes razões para o péssimo desenvolvimento pedagógico de nossos alunos?
No quadro verde do politicamente correto, é visível que a tabuada, o Português, a Geografia e a Matemática ficaram relegados ao segundo plano.
Marcos Alex Azevedo de Melo é Vereador, líder do PT na Câmara Municipal de Campo Grande, presidente da Comissão de Segurança Pública e membro da Comissão de Cidadania e Direitos Humanos